terça-feira, 15 de outubro de 2013

ESCREVER PARA NÃO TER DE MENTIR



Face à plausível inutilidade da literatura e da arte em geral, também me pergunto porque escrevo, quando poderia certamente fazer coisas melhores. Uma vez, na Feira do Livro de Lisboa, ouvi Lídia Jorge afirmar que «essa é a única pergunta a que não se pode responder com sinceridade» [porque escreve?]. «Precisaria de uma vida inteira para responder», disse Phillip Roth a este respeito. Não serve de grande consolo, nem chega para nos libertar da sensação de fraude que, a espaços, desperta o inimigo que ri dentro de nós. Escrever para quê, para quem?

Se calhar, escrevo para não ter de mentir. Porque aparentada com a maldade, a mentira é abominável, seja aquela que destrói um povo e um país (todas as ditaduras o exemplificam), sejam as mentiras que contamos aos outros e a nós próprios, acossados pelo medo atávico do incompreensível. Porque incapazes de lidar com as consequências da verdade, todos mentimos; faz parte da tendência do género humano para a devassidão. Não há remédio, muito menos remédio santo.

Sendo uma possibilidade de interpretar e reorganizar o mundo à nossa volta, incluindo o mundo que nos acontece, a escrita e a arte surgem como libertação temporária do mal absoluto, que é sempre frio e estéril. Para destruir o ser humano, basta atirá-lo para uma grande desolação interior. Contar-lhe uma mentira e negar-lhe a possibilidade de contrapor com as armas que tiver à mão: a palavra, a espada, o riso ou outras. Para uma luta justa.

Talvez isto seja também uma mentira, mas creio que, se não pudesse escrever, mentiria muito mais. 

(Imagem retirada daqui.)

4 comentários:

Maria Bouza disse...

Na noite antes da aula sobre escrita fui assaltada por uma valente insónia. Estive algum tempo a pensar como seria a aula e no que eu esperava dela. Talvez porque numa lógica egocêntrica comparei a escrita à ilustração. Pensei numa aula com uma abordagem sobre o que é "criar" alguma coisa e o porquê e não no lado mais técnico da escrita.
Obrigada pela partilha que superou as minhas expectativas. Este texto do blogue só veio pôr a cereja em cima do bolo.

Lídia Borges disse...


Pois é,

a escrita desoculta, organiza o pensamento e, diz-[nos]backanki142 mais rente à raiz.

Lídia

Carla Maia de Almeida disse...

Sendo assim, Maria, ainda bem que a desiludi... :-)

Carla Maia de Almeida disse...

Lídia, acho que percebi o que queria dizer, mas houve aqui alguma "interferência" do blogger.