quinta-feira, 30 de abril de 2009

O PRÓXIMO LIVRO, 3


Estou muito contente: o próximo livro está prestes a entrar nas rotativas. Em breve fará companhia aos outros dois que ali estão do lado direito. Se a “casa” continua a ser a Caminho, desta vez a parceria foi com o Alex Gozblau, como já tinha dito aqui e aqui (sei que prometi dar conta do processo de escrita, mas, caramba, não há tempo para tudo). Correu muito bem, como deve correr um processo de autoria dupla num picture book (neste caso, não é um picture book “puro”), em que escritor e ilustrador estão forçosamente condenados a entenderem-se, se não quiserem fazer um mau livro. E mais não digo, porque este será, provavelmente, o tema da minha próxima crónica de opinião para o Blogtailors.

“E o livro é sobre quê?”, perguntam-me. É difícil sintetizar a ideia numa palavra, mas, para já, pode dizer-se que é uma história on the road, como o próprio título indica: Ainda Falta Muito?. Quem costuma levar miúdos no banco de trás sabe do que estou a falar. Os outros também. Não seria boa ideia mostrar já a capa, nesta altura do campeonato, por isso fica só aqui um pequeno teaser, correspondente a uma das páginas do miolo.

Mais informo que vai ser publicado fora do calendário habitual, entre a Feira do Livro e o Natal. Não vejo qualquer problema. Se também é preciso que saiam livros no Verão, este pode muito bem ser um deles. Gostava que o levassem na bagagem de férias e que se divertissem com ele. No campo, na praia ou na montanha. E ainda falta muito para que chegue o Verão?

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O ANARCO-COMUNISMO EXPLICADO ÀS CRIANÇAS


Não sei onde estava no 25 de Abril de 1974, mas sei que não estava na escola. Tinha cinco anos e três meses, idade em que não fazia outra coisa senão ler e brincar. As minhas recordações mais fortes do período revolucionário situam-se em Braga, onde todas as manhãs se cantava religiosamente o hino da gaivota de Ermelinda Duarte (sublinho o religiosamente, porque estava num jardim de infância dirigido por freiras, o Colégio D. Pedro V). Morava num quarto de pensão com casa de banho comum e achava aquilo estranho e desconfortável, mas não me passava pela cabeça protestar. Lembro-me de o meu pai me dizer, sob as magníficas árvores do jardim da Avenida Central, algo assim como: “Se alguém perguntar, dizes que o pai é anarco-comunista”. Eu assenti, muito séria, sem perceber nada mas achando que estava a participar em algo muito importante, a julgar pelo nome: anarco-comunismo. Soava bem.

Como todas as crianças daquela idade, tive a minha dose massacrante de desenhos animados checos do Vasco Granja e alguns livros (poucos, felizmente) onde se explicava, por metáforas, o valor da liberdade e a importância do contra-poder. Um dos poucos que resistiu até hoje chamava-se O Povo que Não Queria Ser Cinzento e falava de um reino emancipado pelas cores vermelha, azul e branca. Aceitei, remediada, desejando secretamente mais histórias da Mónica e do Cebolinha.

Um dia, ainda em Braga, as brincadeiras com amiguinhos da escola levaram-me a esquecer de ir buscar a minha irmã mais nova ao infantário. Quando cheguei a casa, ao fim da tarde, levei um bom par de tabefes e fui de castigo para a cama, com a certeza de estar a ser alvo de uma injustiça terrível. Foi aí que me dei conta da dolorosa evidência, marcada a vermelho na minha cara: o anarco-comunismo era só para os crescidos.

terça-feira, 28 de abril de 2009

PRÉMIO NACIONAL DE ILUSTRAÇÃO


O 13º Prémio Nacional de Ilustração foi anunciado hoje e coube a Madalena Matoso, pelas ilustrações do livro A Charada da Bicharada, com texto de Alice Vieira (Texto Editores). Entre as 147 candidaturas analisadas pelo júri, num total de 81 ilustradores, foram também atribuídas duas menções especiais, uma para Bernardo Carvalho, pelo livro És Mesmo Tu? (Planeta Tangerina) e outra para Paulo Galindro, por O Cuquedo (Livros Horizonte). Eis um excerto retirado da nota de imprensa sobre o livro vencedor, A Charada da Bicharada:

“Esta publicação, um álbum poético, género escassamente editado em Portugal, evidencia-se pela articulação expressiva das componentes pictórica e verbal. A criatividade e a inovação das ilustrações materializam-se no recurso a uma paleta cromática forte, rica e livre, que sustenta uma arquitectura visual esquemática e segura. As imagens potenciam a proposta lúdica dos poemas, que funcionam como advinhas e/ou charadas. O discurso icónico, pautado pela subtileza e pelo enigma, convoca um olhar insistente, curioso e inquiridor.”

A equipa da Planeta Tangerina está radiante… e tem razões para isso. Parabéns!

IAN McEWAN (TAMBÉM) PARA CRIANÇAS



Escritor genial e músico frustrado, Ian McEwan passou por Lisboa para apresentar o libreto da ópera de Michael Berkeley (Por Ti, ed. Gradiva) e dar entrevistas – uma delas, feita por José Mário Silva, foi publicada no último Expresso e pode ser lida integralmente aqui. Uma das perguntas que não saiu na versão impressa foi esta: “E o Ian, já se imaginou em Estocolmo a receber o prémio [Nobel da Literatura]?”. Confesso que gostaria de saber um pouco mais sobre os motivos que estão por trás de uma resposta tão lacónica. Simplesmente: “Não.”

Fica o sublinhado para os dois livros que Ian McEwan escreveu (também) para os mais novos: Rose Blanche (1985), um álbum ilustrado por Roberto Innocenti, história de uma criança resistente à demência nazi, do lado de fora dos campos de concentração; e O Sonhador (1994), um conjunto de contos cheios de humor, cujo protagonista é um miúdo sobredotado em imaginação, capaz de inventar a realidade quando esta é insuficiente – justamente o que faz um escritor. Só este último se encontra traduzido em português pela Gradiva, o que é pena.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

DIREITOS DOS ANIMAIS NA SIC, 2


Concordo com a Carla Hilário Quevedo: o debate foi “cordato”. Mas, dada a disparidade argumentativa entre ambas as partes e o pouco tempo de antena, ficou-se pelos mínimos olímpicos. O grande senhor da tauromaquia, João Palha Ribeiro Telles, repetiu a conversa serôdia da “tradição” e garantiu que, se Portugal e Espanha acabassem com as touradas, “havia uma guerra civil.” Tenham medo, muito medo. Mais para o fim, deixou um aviso inquietante a propósito da identidade nacional: “Por isto estar a entrar numa evolução em sentido negativo, é que isto está a bandalheira que está” (reflictam todos sobre isto durante o fim-de-semana, sff). Informou-nos também sobre a supremacia da ração da Malveira (não dá cólicas) e explicou que o touro “foi criado para lutar” até ao momento em que, na arena, se estabelece “uma forma de relacionamento” com o toureiro. É uma coisa tipo paixão suicida, não sei se estão a ver.

A meio do debate, foi dada a palavra ao filho, um rapazola que fez uma entrada triunfal: “Eu cheguei atrasado, mas penso que estão a falar de circos e touradas”. Bom começo, sim senhor. Assumindo integralmente a linhagem tauromáquica, insistiu nos “mas diga lá, diga lá”, enquanto afrontava “aquele senhor Moutinho” [Miguel Moutinho, presidente da associação ANIMAL] com uma má-criação intolerável. Se as cabeças ocas se ouvissem, tinha-se levantado uma ventania nos estúdios da SIC. Sinceramente, antes o pai Ribeiro Telles.

Quanto ao grande senhor do circo, Victor Hugo Cardinalli, outro empresário que faz o seu negócio graças aos animais, como o próprio disse, proferiu as banalidades do costume. Circos sem animais? Nem pensar. É disso que o “povão” gosta. Alguém lhe explicou que já há muitos circos sem animais e deu o exemplo do Cirque du Soleil. A resposta foi de chicote: “Isso é para os queques de Lisboa!” Segundo a avaliação no terreno, se o Cirque du Soleil fosse “para Viana ou para a Amareleja” não tinha hipótese, porque o “povão” dessas terras só compreende o circo dele. Esta preocupação educativa é louvável e por aqui se pode ver como o senhor Victor Hugo Cardinalli tem o seu público em grande conta. Os espectadores de Viana ou da Amareleja só têm que agradecer.

(Ilustração de Luís Manuel Gaspar)

DIREITOS DOS ANIMAIS NA SIC, 1


Andei à cata de reacções na blogosfera ao debate na SIC sobre os direitos dos animais. De relevante, até agora, só encontrei o Bomba Inteligente, que publicou uma série de pequenos mas certeiros posts acerca do que ontem se passou. Mea culpa, certamente, que não tenho o hábito de ler blogues de comentário político e não sei onde procurar… Tudo bem. Cada um fala do que gosta e do que lhe interessa, como desde o início aqui também se disse.

Acontece que esta não é uma questão de gosto. No limite, não é necessário gostar especialmente de animais – sejam cães, gatos, iguanas ou periquitos – para perceber que estamos a lidar, acima de tudo, com questões éticas, civilizacionais e de saúde pública. É isso que é importante discutir e resolver. E não vamos falar só de touradas e de circos, como ontem aconteceu, mais uma vez. Rodrigo Guedes de Carvalho deixou a promessa, “em nome pessoal”, de regressar ao tema e tratar do que faltou – e que foi muito. Reiterou-o há pouco, no Jornal da Noite. Entretanto, o debate gerou consequências: os deputados querem proibir animais selvagens no circo. Muito bem, mas antes é preciso saber o que fazer com eles. Receio o pior.

PERGUNTAS CURIOSAS


Estive hoje de manhã na Feira do Livro da Amora, organizada pela Câmara Municipal do Seixal, para um encontro com miúdos do 1º ciclo da escola Quinta dos Morgados. Tinham lido o Não Quero Usar Óculos e já iam lançados no primeiro capítulo de O gato e a Rainha Só, que talvez seja um bocadinho mais “avançado”, mas nada de impossível com a ajuda de professoras motivadas para a leitura, como pareceu ser o caso.

Ao contrário do que é costume, falei sentada à mesa e com microfone, coisa que ajuda a garganta mas dá sempre aquele ar de cão amestrado. Os miúdos vinham com muitas perguntas (só um deles fez seis, contei-as), a que tentei responder o melhor possível. Sinceramente, admiro os decanos da literatura infantil e a paciência de ouvirem, ao fim de 30 ou 40 anos, as mesmas interrogações de sempre (“qual é o seu livro preferido?”, “por que é que começou a escrever?”, etc). Enfim, enquanto houver perguntas é bom, e estas experiências fazem parte da profissão (profissão e não serviço público, entenda-se…).

Mas às tantas há um puto que sai da normalidade: “Quantas folgas faz por dia?”, quis saber em primeiro lugar. E pouco depois: “Se está sempre a trabalhar em casa, como é que faz para os seus chefes lhe pagarem?” De improviso, tive que dar voltas à cabeça para não transformar as respostas num manifesto sobre a flexisegurança e a precariedade laboral. Não tenho a certeza de não ter metido os pés pelas mãos.

“O Livro em Festa” continua até ao dia 3 de Maio, no Jardim do Fogueteiro, Amora. A Biblioteca Municipal do Seixal está a oferecer livros até dia 2. Mais informações aqui.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

OS CONTABANDISTAS


Não, não é gralha de visita ao Jardim Assombrado. É mesmo o nome do projecto: Contabandistas de Estórias. Gente que anda de cá para lá, a traficar histórias do arco-da-velha. De borla. Amanhã à noite vão estar nesse casarão bonito da fotografia. Mais informações aqui.

AINDA É HOJE


Eu sei que já vamos a meio do Dia Mundial do Livro, mas também há livros que se podem começar a meio, não é verdade? E depois, seria uma pena perder esta ilustração de Pierre Pratt. Mais informações no site da DGLB.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

FRUTA E LIVROS?

Eu sei que há miúdos neste país rafeiro e armado em cão-de-água presidencial que só comem uma refeição de jeito por dia – na escola, precisamente. Sei (acredito) que a leitura alimenta o espírito e que há “excedentes” de produção alimentar que resultam em aterros de lixo, enquanto meio mundo passa fome. Mas juro que não consigo compreender esta associação entre distribuição de fruta e de livros junto das crianças, preparada para amanhã, Dia Mundial do Livro. Será patrocínio de algum hipermercado?

CONTOS PARA OUVIR


A editora 101 Noites, precursora no suporte de audiolivros, acaba de lançar o primeiro CD audio com histórias para crianças – se é que podemos dizer isso dos contos de Oscar Wilde, já que o próprio sublinhou não se destinarem especificamente a esse público. Três contos cheios de sabedoria e da melancolia por vezes irónica (não são termos incompatíveis) herdada de Hans Christian Andersen, a que se junta a elegância da escrita de Wilde: O Gigante Egoísta, O Foguete Notável e O Rouxinol e a Rosa. Lidos em voz alta por Rosa Lobato de Faria e musicados por Alexandre Cortez (o “Alex dos Rádio Macau”), inauguram a colecção Livros Para Ouvir Para os Mais Novos, dirigida por Sandra Silva. O lançamento é amanhã, 23 de Abril, às 19h00, no Bar BA – Bairro Alto Hotel (Pç. Luís de Camões, 2).

terça-feira, 21 de abril de 2009

SAD & BEAUTIFUL WORLD


"Sad & Beautiful World", Sparklehorse (Vivadixiesubmarinetransmissionplot).
Fotografia tirada em Antalya, Turquia.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

LARANJEIRA


Quando nos preparamos para ouvir falar de viagens, a morte intromete-se na bagagem e espera-nos na curva seguinte. Somos passageiros cativos destas horas desencontradas, é certo que nunca estamos a tempo de nos arrependermos. O silêncio estende um manto glauco sobre os penedos, a casa, a eira e os pinhais em volta. Ouve-se já a terra em avalanche, levanta uma poeira fina que faz berço nas nossas primeiras rugas e fica ali a fermentar saudades. Depois, nada, só um tremor de passos desfeitos, cada vez mais longe. Mas existe uma árvore onde te vou guardar, assim tão grande e tão inteira, e a ninguém direi qual é. Nos dias de neblina, eu hei-de encostar o meu ouvido ao tronco e ouvir as folhas que estremecem quando por acaso passares por ali, à procura das laranjas que caíram ao chão, pesadas de tanto Inverno.

CASA DE EDWARD GOREY REABRE HOJE




Que me desculpem os leitores do Jardim Assombrado se insisto no nome de um dos autores mais excêntricos e originais de sempre, na minha facciosa opinião: Edward Gorey. Chamo-lhe autor querendo significar, ao mesmo tempo, escritor e ilustrador, uma convergência de talentos que resultou em dezenas de livros de difícil classificação, estranhos e inquietantes. Nascido em Chicago, a 22 de Fevereiro de 1925, Gorey atrai leitores de todas as idades, mas não se pode dizer que seja popular ou unânime. Ainda bem. Já aqui escrevi sobre ele e lembrei a reportagem publicada na Notícias Magazine, em Dezembro de 2007. Volto ao assunto agora que a casa-museu, em Cape Cod, EUA, reabre novamente ao público para mais uma época de visitas e exposições temporárias. A data é simbólica: Gorey morreu a 15 de Abril de 2000, vítima de ataque cardíaco, e por isso este dia só pode querer dizer um renascimento.

As fotografias são do jardineiro convidado do blogue, Guto Ferreira.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

ESCOLA E LITERATURA, 2


No seguimento do post anterior, aqui ficam as respostas finais de Maria do Carmo Vieira, publicadas no último JL:

Que lugar devia ter então a literatura nas escolas?
Devia ser privilegiada. Qualquer aluno que saiba interpretar e ler Luís de Camões ou qualquer texto literário sabe interpretar um texto pragmático ou escrever um regulamento, uma acta, um relatório. E não me venham dizer, como tem sido argumento, de que isto é elitismo. As pessoas ‘pobrezinhas’ são pobres, não são estúpidas.

Qual é o perigo de, como diz no livro, «banir a frase ‘Era uma vez…’»?
Perder os contos de fadas é fazer as crianças perder o contacto com o simbólico. Sobretudo, é não deixar que elas sejam crianças e se deixem seduzir para a beleza da palavra. É nos contos de fadas que fazemos a nossa primeira aprendizagem, quase iniciática, da vida, mas de um modo protegido. Um dia mais tarde, vamos entrar em contacto com a vida já sem protecções, mas já fomos treinados. É isso que agora não se faz às crianças, não se lhes dão defesas. É só o lúdico. Ora, a vida não é isso. Por isso mesmo a Escola tem de preparar para a vida. Não é fingir que ama as crianças, porque isso não é amá-las mas desprezá-las.

terça-feira, 14 de abril de 2009

ESCOLA E LITERATURA, 1


Maria do Carmo Vieira, professora de português desde 1975 e um dos membros fundadores do Projecto Literatura e Literacia, tem sido uma voz persistente e incómoda na defesa da literatura nos curricula escolares. Está prestes a sair um livro que sintetiza algumas das suas perspectivas quanto ao lugar da literatura na aprendizagem, justamente intitulado A Arte, Mestra da Vida – Reflexões Sobre a Escola e o Gosto pela Leitura (ed. Quimera). A última edição do Jornal de Letras fez uma antevisão da obra e lançou algumas questões a que Maria do Carmo Vieira responde com a lucidez que lhe é habitual. Sem paninhos quentes (sublinhado meu):

A Escola actual valoriza devidamente a literatura?
Deixou de valorizar a literatura… Apresentá-la dissociada da língua ou pô-la a par do texto informativo ou pragmático é um ultraje. A literatura é uma arte. Aliás, o título do livro, A Arte, Mestra da Vida, é retirado de um texto de Fernando Pessoa. Tenho cada vez mais convicta consciência de que não se quer fazer os alunos conviver com o que é belo e, sobretudo, não se quer que eles pensem. Basta ver os textos da OCDE sobre Educação para se sentir que está tudo organizado no sentido de dividir as pessoas nos que mandam e decidem e nos que obedecem sem pensar. Daí eu achar que a Escola está a perder esse papel milenar de formar para a vida e está antes a formar escravos.”

HOJE NA ASSÍRIO & ALVIM


Não é só um novo livro de Manuel António Pina – é um livro para os mais novos, escrito por um dos raros autores que trabalha um género pouco cultivado entre nós: o texto dramático. Ilustrado por Ilda David, História do Sábio Fechado na Sua Biblioteca foi destinado originalmente à companhia Pé de Vento, em 2008, e conta “os sonhos de um velho sábio que anseia por não saber qualquer coisa e poder perguntar a alguém”, segundo uma notícia publicada no último Expresso. “A solidão em que vive não lhe permite, no entanto, sequer perguntar que horas são.”

O lançamento acontece hoje, na livraria da Assírio & Alvim (Rua Passos Manuel, 67-B, Lisboa), com a presença dos autores e a apresentação de João Botelho. Às 18h30 lá estaremos, nem que chova a cântaros (como parece ser o caso).

segunda-feira, 13 de abril de 2009

FIRMIN: VOLÚPIA E MELANCOLIA


“Volúpia e melancolia” foi um dos títulos possíveis para a crítica de Firmin, de Sam Savage (Planeta), publicada na última LER. Acabou por ficar “Um terno naufrágio”, outra maneira de resumir o sentimento de queda enlanguescente que atravessa todo o livro, cujo final demonstra que nem sempre os ratos são os primeiros a abandonar o navio.

Firmin é uma fábula extraordinária que a princípio julguei mais adequada a adolescentes e pensei incluir na secção “Leituras Miúdas”. Não se entenda aqui qualquer menorização literária, como é óbvio, mas apenas uma má interpretação da minha parte em relação ao destinatário principal da obra. À segunda leitura, percebi que Firmin não é (sem deixar de poder ser) um livro para adolescentes. Não por causa das muitas referências literárias que contém, mas apenas porque a impressão do fracasso não deve – ou não deveria – fazer parte do mal-estar adolescente. O sentimento de inadaptação das personagens poderá calar fundo em quem tem 16 anos, ou perto disso, mas a sensação de que existe todo o tempo do mundo para o resolver deverá ser total e avassaladora. Só mais tarde, na chamada idade adulta, conseguimos perceber como estávamos enganados quanto à reversibilidade das coisas – e persistir adequadamente nesse engano, porque na verdade não há muito mais a fazer. É por isso, e apenas por isso, que Firmin não é um livro para adolescentes.

Aqui fica o último parágrafo do texto publicado na LER (com a “ternura felliniana” que sofreu um corte na edição, hélas!):

“Estavam a imaginar mais um desses ratos espertos e engraçadinhos? Para que conste: «I piss down the throats of Mickey Mouse and Stuart Little» (ou, na virtuosa tradução portuguesa, «abomino o Rato Mickey e Stuart Little»). Firmin, «ocupante ilegal, vagabundo, desempregado, pedante, voyeur, destruidor de livros, sonhador ridículo, mentiroso, vigarista e pervertido», é mais um náufrago num bairro com morte anunciada. Scollay Square demoliu-se entre 1960 e 1963, dando lugar à tenebrosa praça cimentada de Government Center. Sam Savage, que conviveu com a beat generation e acumulou empregos incertos antes de concluir o doutoramento em filosofia por Yale, faz a arqueologia desse desaparecimento, num estilo sensorial e cinematográfico de puro contador de histórias. A devoção literária e a ternura felliniana pelos personagens não iludem o sabor amargo da poeira. Um livro para adolescentes? Não exactamente. Apenas pela simples razão de que aos quinze, vinte ou mesmo trinta anos a possibilidade de um grandioso fracasso é uma noção demasiado estranha.”

(Ilustração de Fernando Krahn para um dos postais a preto e branco que acompanham a edição portuguesa.)

domingo, 12 de abril de 2009

DA CONFIANÇA


Quando viajamos, levamos connosco os nossos valores. Não me refiro ao relógio ou ao ipod, mas àquele património imaterial que logo faria soar o alarme da suspeita, se detectado nas máquinas de raio X. Género: “O senhor é um bocado intolerante, para não dizer xenófobo. Tem a certeza de que quer viajar para o país A, B ou C?” Ou então: “A senhora revela uma tendência gritante para o comodismo. Será boa ideia viajar em grupo? Pense lá bem.” Não sendo a favor de mais vigilância sobre a liberdade dos cidadãos, tout court, creio que muito trabalho se pouparia se houvesse nos aeroportos um detector de valores imateriais. Por outro lado, imaginem a balbúrdia durante o voo. “Eu não me sento ao lado desse individualista.” “Ai, é? E eu não como ao lado de defensores de touradas.”

É impossível viajar sem pôr à prova os nossos valores. Se calhar, uma das razões por que saímos de casa, sozinhos ou acompanhados, é justamente essa. Como muita gente, também acredito que o teste de um relacionamento próximo, amoroso ou não, passa pelo crivo de uma viagem com algum grau de dificuldade. A distância, a mudança de hora, de clima, de hábitos e de idioma, entre muitas outras coisas, arrancam-nos da nossa zona de conforto e fazem-nos ganhar a chamada “personalidade de viagem”, que pode ser muito diferente da personalidade de trazer por casa. Leia-se A Arte de Viajar, de Alain de Botton, para ver este assunto amplamente debatido com graça e propriedade.

Cada vez mais, gosto de viajar para conhecer outras pessoas. Gosto de portugueses em Portugal, quando é caso disso, mas se os encontro numa cidade estrangeira, aos pares ou em família, sou capaz de fazer conta que falo urdu, só para evitar aquela troca de nacionalismos confrangedora: “Ah, também é portuguesa?!”. “Sim, mas só porque não pude escolher primeiro”, apetece-me logo dizer.

Em viagem, gosto de conhecer pessoas que não conheço habitualmente. Não aquela experiência fugaz que advém da partilha de uma carruagem de comboio ou da mesa de um Bed & Breakfast, mas algo que está além disso, e que resulta da possibilidade de entrar na vida real dessas pessoas, ainda que por pouco tempo. Embora as catedrais góticas e os grandes mestres da pintura continuem a ser fascinantes, o planeta já não se oferece à facilidade da descoberta; a não ser, talvez, no capítulo das aventuras humanas. A Internet abriu portas para caminhos perigosos, mas também permitiu aceder a vastos mundos comunicantes: a rede CouchSurfing é um bom exemplo. Em poucas palavras, trata-se de oferecer um quarto – ou apenas um sofá-cama – a alguém que está de passagem, segundo um princípio de alojamento informal e gratuito. Não é obrigatório que essa pessoa faça o mesmo, embora haja uma certa lógica de reciprocidade em todo o projecto.

As razões que levam alguém a partilhar a sua casa com um desconhecido são muitas, mas na base desta rede social tem de estar um valor comum a ambas as partes: confiança. Haverá outros – curiosidade, solidariedade, cosmopolitismo, generosidade, etc – mas sem a confiança, à partida, penso que ninguém é capaz de emprestar a um estranho a chave da sua própria casa e convidá-lo a partilhar o seu espaço de intimidade. Isto nada tem a ver com optimismo ou pessimismo, a meu ver. Sou pessimista quanto à extinção das espécies ou à idoneidade da classe política portuguesa, mas isso não me impede de olhar para cada pessoa como um indivíduo e de tentar conhecê-la sem esperar sempre o pior. Não sou optimista, sou confiante. Se o CouchSurfing parece um disparate ou uma insensatez para muita gente, talvez isso queira apenas dizer que os valores que subscrevem – em viagem, pelo menos – são diferentes dos meus. So what?


(Fotografia de Inês Gonçalves.)

sábado, 11 de abril de 2009

APRENDER A AMAR A ARTE


Começa assim, vês?

PEGGY GUGGENHEIM


Valeu a pena ter passado por Veneza só para ver o meu Magritte preferido na casa onde morou Peggy Guggenheim, outra mulher fascinante que faz pensar naquela coisa da inveja.

AS TRUTAS


Naquele dia, ao observar as trutas no viveiro de Paredes de Coura, aposto que me esqueci dos óculos sem graça e das calças de fazenda que picavam.

(…)
Giram e giram e giram e giram
e giram e giram, na espera vã
de uma canção de Schubert.
Estão presas entre a água
e o betão, como nós entre
o betão e o ar. E passam
de tanque para tanque,
como nós de idade
para idade.

De um poema do José Mário Silva, incluído no recente Luz Indecisa.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

E NUNCA ME DISSERAM O NOME DAQUELE OCEANO


O título é um verso de um poema de Al Berto (Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida). O avião era da TAP. As nuvens são de todos.

WILD THING


De Spike Jonze, realizador de Quem Quer Ser John Malkovitch? e muitos videoclips de primeiro calibre, espera-se uma adaptação no mínimo original de Where the Wild Things Are, fabuloso livro de Maurice Sendak que, em 1963, revolucionou a forma de escrever (e ilustrar) livros para crianças. James Gandolfini, Forest Whitaker e Chris Cooper emprestam as vozes aos monstros que entram pelos sonhos de Max, e isso já nos deixa contentes. O blogue da Bruaá lembra que o filme estreia em Outubro (em Portugal também?) e convida a espreitar o trailer. Aqui.

ISTO INTERESSA


"O número 485 do Magazine Littéraire, referente a este mês, dedica a sua atenção aos animais (em francês, a palavra bête é mais precisa, porque elimina desde logo qualquer alusão aos seres humanos). Ao longo do vasto dossiê central, é analisada a relação da literatura com esses habitantes do planeta que insistimos em designar como nosso. Há um texto, assinado por Pierre­‑Marc de Biasi e Déborah Boltz, que se centra em seis escritores (Colette, Françoise Sagan, André Gide, Paul Léautaud, Céline, que surge também na capa, e Michel Houellebecq) e nas ligações afectivas que desenvolveram com os animais que lhes eram, ou são, próximos. Num texto de grande pertinência, que abre com uma citação de Minima Moralia, de Adorno, sobre a expressão «é apenas um animal» (cf. página 104 da versão portuguesa, de Edições 70), Élisabeth de Fontenay nota como é ainda raro que, ao nível do ensaio, se coloque a questão do sofrimento dos animais, nomeadamente nos matadouros." (…)

Texto de João Paulo Sousa, no Da Literatura.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

LIVRO-BOLERO DE BOLSO


Ao contrário do post anterior, aqui não há qualquer confusão com as letras. Y tú, qué has hecho? é uma interpretação livre de um célebre bolero cubano de Eusebio Delfín (1893-1965), pela mão da ilustradora catalã Imma Pla Santamans, que assina Imapla. Veio do stand da Ekaré (ainda Bolonha), a editora venezuelana que este ano esteve em destaque com o prémio New Horizons. Apenas a três cores, desenhada a traço grosso com apontamentos de vermelho, pode ser lida como uma declaração de amor à natureza ou como alegoria de um encontro amoroso, enquanto as páginas se desdobram em harmónio, à semelhança de uma música sem interrupções. Uma das versões mais conhecidas continua a ser a do projecto Buena Vista Social Club e pode ser ouvida aqui.

En el tronco de un árbol una niña
Grabó su nombre enchida de placer
Y el árbol conmovido allá en su seno
A la niña una flor dejó caer.

Yo soy el árbol conmovido y triste
Tu eres la niña que mi tronco hirió
Yo guardo siempre tu querido nombre
Y tú, que has hecho de mi pobre flor?

RUSH MACHINE


É difícil explicar por que motivo a letra de uma canção se entranha na cabeça mesmo quando não percebemos o que diz. Quando tinha 10 ou 11 anos e o inglês era ainda um mistério, os Boney M. estavam no meu Olimpo musical (aliás, vestiam-se à altura desse patamar…). Punha os singles no gira-discos de má qualidade e dançava freneticamente em frente ao espelho ao som de Daddy Cool, Rivers of Babylon, Ma Baker, Belfast, One Way Ticket, Rasputin e outros hits incontornáveis. O encontro sobre as “Poéticas do Rock” que ontem terminou fez-me lembrar deste último. Durante 30 anos, acreditei que o refrão de Rasputin se referia a uma coisa chamada “rush machine”. O que é uma “rush machine”? Nada. Apenas uma amálgama fonética sem sentido. Só outro dia alguém me explicou o verdadeiro refrão: “Ra Ra Rasputin, lover of the russian queen”. Tem tudo a ver, não é? Rush machine… russian queen. As coisas que uma pessoa reaprende sem querer.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

HOJE NA FACULDADE DE LETRAS


É o último dia do ciclo de debates «Poéticas do Rock em Portugal – Perspectivas críticas de uma literatura menor», organizado pelo Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Antes de ir para as aulas noutra capelinha, vou passar por lá e assistir ao programa das 16h00. A saber:

- Fernando Guerreiro, “Do Bar da Morgue a Turbina e Moça: o cabaret-circo futuro-dadá de Rui Reininho;
- Vitorino Almeida Ventura, apresentação do livro As Letras como Poesia (Afrontamento);
- Golgona Anghel, “Belle Chase Hotel – contra o destino, contra a personagem principal, a contratempo”.

Às 17h45, lugar para a mesa-redonda onde se debate o tema “Rock nas Artes”. Anunciam-se as participações de João Pedro Rodrigues, Tiago Guillul, João Garcia Miguel, Paulo Furtado, Armando Teixeira, Manuel João Vieira, Manuel Mozos e Luís Futre.

terça-feira, 7 de abril de 2009

CRÓNICA DE UMA DEBUTANTE EM BOLONHA


Quando o autocarro nº 28 chegou às portas da Feira do Livro Infantil de Bolonha, para alívio dos passageiros que ali se espremiam como recheio de ravioli, a primeira coisa em que reparei foi nas muitas malas com rodas que dão colorido à paisagem dos aeroportos. «Coitados, nem tiveram tempo de ir pousar a bagagem ao hotel», pensei, com a boa vontade dos ingénuos. Só depois percebi que aqueles contentores portáteis se destinavam a facilitar a vida a quem percorre os corredores da feira recolhendo quilos de catálogos e coisas afins, tomado por uma incontrolável síndrome de acumulação. É um tremendo potlacht de papel que pode durar até quatro dias, findo o qual regressa a dúvida e o bom senso. Pergunto-me, agora, que utilidade darei às 40 páginas da Revue der Slowakischen Literatur, além de contribuir para os índices de reciclagem em Portugal, mas na altura confesso que não pensei muito nisso.

Como já se percebeu pelo título desta crónica, tratou-se da minha estreia na Feira do Livro Infantil de Bolonha, que entre 23 e 26 de Março levou 66 países a mostrar o que de melhor (e pior) se faz nesta área da edição. Não é todos os dias que se pode escrever a palavra «debutante», felizmente. Nos idos de 90, o meu primeiro director deu-me um raspanete por ter escrito «despiciendo», outra atrocidade lexical. Mas venho aqui dar a mão à palmatória e dizer que cometi vários erros de principiante. O primeiro foi acreditar que conseguiria ver com a mesma atenção cerca de 1300 expositores e as várias mostras de ilustração, além de assistir às apresentações e mesas-redondas, e ainda enviar textos para o Blogtailors, depois de lutar por um dos quatro computadores do Press Centre.

À chegada, sem pensar muito, entrei no primeiro pavilhão que se encontrava a jeito, onde se juntavam as representações da Itália, Austrália, Reino Unido, Hong Kong, Irlanda, Nova Zelândia e Estados Unidos. Errado. Profundamente errado. A minha confessada anglofilia atraiçoou-me e tarde percebi que as propostas mais interessantes, vindas da Europa Central e não só, estavam do outro lado, nos pavilhões 29 e 30. Mas era já impossível recuar. Lá fui abrindo caminho, com a ajuda da espada de papel que dois teenagers vestidos de capa preta me entregaram à entrada, na mira de me converterem a mais uma dessas sagas fantásticas cujo nome já esqueci. Creio que terminava em «ing».

Ao fim de algum tempo, resolvi mudar de método e estugar o passo, assinalando com um círculo os expositores a que deveria voltar mais tarde, por estarem apinhados de gente ou por terem muitos livros que me apetecia ver com calma. Outro erro de principiante. No próximo ano, se puder ir a Bolonha, deverei repetir o seguinte mantra: «Não deixes para amanhã o que podes ver hoje, porque o mais certo é não teres tempo e ver-te-ás grega para encontrar o stand por onde passaste há duas horas.» Assim perdi, irremediavelmente, a oportunidade de conhecer o expositor do Brasil (shame, shame), de regressar ao stand da italiana Orecchio Acerbo ou da americana The Creative Company, ficando apenas com uns belos catálogos para recordação. Por outro lado, debrucei-me com cuidado sobre os livros coreanos e, apesar de não entender uma palavra, tomei conhecimento do best-seller intitulado O Poder Curador da Batata. Que tem isso a ver com livros para crianças? Absolutamente nada. Mas em Bolonha também se encontra de tudo, como nas antigas farmácias.

Em vão, tentei convencer uma senhora de olhos rasgados a vender-me um picture book chamado The Little Stone Lion, pelo qual me apaixonei à primeira vista. Quase supliquei, mas ela não se comoveu, nem ligou ao cartão a dizer «Press». Tinham-me avisado de que ali não se compravam livros – só direitos de autor – e pude testar a elasticidade dessa afirmação. «No, we don’t sell books», responderam-me numa conhecida editora inglesa, com aquele enfatuamento balofo comum ao Yorkshire Pudding. Na venezuelana Ecaré, pelo contrário, a réplica foi exuberante: «Todos los que quieras». Portanto, já se vê.

No último dia da feira, é tradição as editoras darem ou venderem livros a um preço abaixo do mercado, mas muitas delas limitam-se a arrumar diligentemente a mercadoria antes de regressarem a casa. Sobre isto não posso dizer muito mais, porque aproveitei o dia para uma incursão rápida a Veneza, que está a duas horas de comboio. Apesar de perseguida pelo sentido do dever, esse incansável opressor, reconheço que fiz bem. Disseram-me, mais tarde, que por volta do meio-dia a feira já tinha acabado e, assim, pude furtar-me ao sentimento sempre melancólico de final de festa. Além de evitar trazer mais uns quantos quilos de papel que teriam feito subir o orçamento, no momento do check-in. Sacos de pôr ao ombro, nunca mais. Para ano, se voltar a Bolonha, também eu farei parte da tribo das malas rolantes.


(Segunda crónica de opinião publicada ontem no Blogtailors)

MALASARTES 17


Já se encontra à venda a edição semestral da revista Malasartes, com data de Abril de 2009. A capa (linda) é de Luís Henriques, ilustrador que tem acompanhado Rita Taborda Duarte desde A Verdadeira História de Alice (2004) até O Tempo Canário e o Mário ao Contrário (2008). A dupla merece o destaque de abertura em dois artigos assinado por Ana Margarida Ramos e José António Gomes. Outros temas e autores presentes nesta edição: a multiculturalidade na literatura portuguesa para a infância, formação literária e mediação leitora, os picture books e a Planeta Tangerina, a colecção ecológica «Pintar o Verde com Letras», Ondjaki, Manuela Bacelar e Antero de Quental. Na “secção galega” da revista, encontram-se artigos sobre as primeiras traduções de literatura infantil para esta língua minoritária, a customização de ilustrações e ainda sobre o escritor Antonio García Teijeiro. Tudo isto e mais as habituais críticas de livros nas últimas páginas. Excelente!

domingo, 5 de abril de 2009

TAGLIATELLE E PUNK A BESTIA


Não foi só a estreia na Feira do Livro Infantil de Bolonha que me fez voltar a Lisboa com um sorriso parvo de contentamento, que se prolongou durante vários dias até à aterragem no PQT (País Que Temos) ter terminado, algures num crash em letra de imprensa. Bolonha significou também uma semana esplêndida em casa do Stefano e Cecilia, meus primeiros hosts na rede CouchSurfing. Sem eles, nunca teria descoberto as especialidades da Sardenha, no Montesino; a melhor pizza de Bolonha, num restaurante de luzes florescentes, o Giubilo; ou a trattoria siciliana Da Maro, onde o exibicionismo do dono, um marmanjo moreno e musculado, só encontrou paralelo nos fabulosos cannoli, no meu top five de sobremesas. Spaghetti à Bolonhesa? Não comi. “Os bolonheses não comem spaghetti”, informaram-me. É mais um mito culinário que se dilui, como o das Bolas de Berlim em Berlim (qualquer confeitaria do Porto e arredores sabe fazê-las melhor). Existe, sim, tagliatelle al ragu, um molho que nós por cá chamamos “à bolonhesa”, mas não cheguei a provar. Em compensação, cruzei-me bastas vezes com grupinhos de “punk a bestia”, uma tribo urbana que se faz notar pela presença de cães, quase sempre com aspecto mais amistoso do que os respectivos donos. Segundo o Lorenzo, amigo do Stefano e Cecilia, além de falante de português, “são uma degeneração do espírito punk”, que faz compras com cartão de crédito e se entretém a beber de manhã à noite à porta dos bares. Isto não se aprende nos guias turísticos.

O QUE MENOS INTERESSA

Já me aconteceu pior. Há uns anos, entrei numa livraria de um centro comercial de Lisboa onde estava afixado um papel a dizer: “Precisa-se de livreiro”. Ofereci-me para o lugar. O gerente despachou-me em três tempos: “Perceber de livros é o que menos interessa para o caso.”

sábado, 4 de abril de 2009

TRISTE INVENÇÃO, O TURISMO


Não sei se alguma vez voltarei a Veneza, tal como não sei se voltarei a Praga ou a Paris – apenas pelo prazer de viajar, I mean. Com cenários destes – a Piazzeta San Marco e o Palácio dos Doges em fundo – a um dia de semana e em finais de Março, ainda longe da época alta, haverá algum milímetro de espaço interior em que nos possamos sentir, enfim, livres? Às vezes quase compreendo o tipo que ganhou o “Quem Quer Ser Milionário?” e passou a visitar os sítios com que sonhava a partir do Google Earth, na privacidade da sua casinha nova ali para os lados de Alenquer.

INSTANTÂNEOS DE VENEZA, 7


INSTANTÂNEOS DE VENEZA, 6

O PÓ DOS LIVROS


Seguindo conselho avisado, passei pela Livraria Portugal, na Rua do Carmo, à caça de raridades que deixaram de ter lugar nas livrarias mais frequentadas, onde somos rapidamente despachados com um lapidar “está esgotado”. E encontrei-as. No piso de cima, a secção de livros para crianças está repleta de antigas edições (antigas com dez ou quinze anos, note-se….) da Verbo, Contexto, Edinter, Desabrochar e afins, à mistura com as novidades. De lá trouxe A Lenda da Pétala de Rosa, de Clemens Brentano e Lisbeth Zwerger, um único exemplar já com a capa ferida, mas nem por isso negligenciável.

Encontrei também pó, muito pó. Sedimentado, cristalizado, engordurado, nojento. Pó acumulado há semanas, meses (anos?), que deixa um trilho preto nos dedos quando se puxa por uma lombada, impedindo-nos de continuar a mexer nas folhas – por respeito, é claro. Ao nível do chão ou nas prateleiras intermédias, a desgraça era a mesma. Eu sei que o “pó dos livros” tem o seu charme, mas isto é outra coisa: chama-se desleixo e imundice. Ao fim de cinco minutos, se tanto, desci do escadote e dirigi-me ao balcão, onde três empregados tricotavam conversa mole. Protestei, de mãos no ar. Dois deles olharam para o lado, literalmente, e só uma senhora simpática me ofereceu água, sabão e um pedido de desculpas. Aceitei tudo. Voltei à carga e voltei a lavar as mãos. E depois queixam-se.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O QUE DAVA JEITO ERA UM COURBETZINHO


Na I Festa do Livro Infantil de Lisboa, ainda a decorrer na Praça da Figueira, Alice Vieira disse que o livro para crianças era pouco falado na comunicação social. Só posso concordar. Quando vejo a biografia de José Vilhena no meio da tenda (será porque também tem bonecos?), quase tenho vontade de chamar a polícia de Braga. Uma oportunidade perdida, é o que é.

ANTHONY BROWNE E… ANTHONY BROWNE



Ver o escritor Anthony Browne foi uma das surpresas da Feira do Livro Infantil de Bolonha. Tinha-o imaginado como um inglês razoavelmente imponente, mais parecido com essas figuras “fortes e gentis” (expressão dele) que aparecem nos livros, representando o próprio pai. Os gorilas, pois claro. Mas não. Anthony Browne (do lado esquerdo da mesa, vestido de fato claro) é um tipo franzino e pequeno, calmo e aparentemente tímido. Na mesa-redonda onde se debateu o tema “Metáforas da Infância”, logo no primeiro dia, a moderadora cometeu a gaffe de começar por dizer que o escritor não tinha podido comparecer, ao que o próprio reagiu mexendo-se na cadeira, surpreendido, como quem diz: “Estou aqui!”. Ela pediu desculpa e confessou que nunca tinha o visto pessoalmente. Uma pesquisa de imagens no Google podia ter ajudado, não?

THE LITTLE STONE LION


The Little Stone Lion, escrito e ilustrado por Kim Xiong (Heryin Books), uma parábola sobre a memória e a impermanência. Não consegui que me vendessem o livro em Bolonha, mas a Amazon dá uma ajuda. Aqui fica a sinopse:

“This book is aimed at children aged 5 to 7 years. In a small Chinese village, a stone-carved lion sits and watches as a guardian spirit and holder of the villagers' collective memory. Older people stop, stroking his head to remember the past and children walk by knowing he watches over them to keep them safe. Whimsical illustrations and inventive visual perspectives depict the lion's expressions as he recounts his memories of the villagers over the years in daylight and evening and in the changing of the seasons.”

quinta-feira, 2 de abril de 2009

HÁ 40 ANOS FOI ASSIM


Este é o poster que assinalou o Dia Internacional do Livro Infantil, em 1969. Não sabemos se nos dois anos anteriores houve outros, mas este é o primeiro referido numa brochura produzida pelo IBBY (International Board on Books for Young People), a entidade sem fins lucrativos que criou o Dia Internacional do Livro Infantil, em 1967. A ideia partiu da escritora e jornalista alemã Jella Lepman, também fundadora do IBBY, em 1953. Desde então, tem sido comemorado por todo o mundo, com o contributo das secções nacionais, cabendo este ano o destaque ao Egipto. Em poesia ou prosa, há sempre um novo texto de autor. O de 2009 é assinado pelo ilustrador e cineasta Hani D. El-Masri. Está muitos furos abaixo do habitual e tem demasiados lugares-comuns para o nosso gosto, mas quem quiser pode lê-lo aqui ou aqui, na tradução de José António Gomes.

DIA DO DINAMARQUÊS MELANCÓLICO


Há 204 anos, nascia em Odense, a segunda cidade da Dinamarca, um dos escritores mais universais de sempre: Hans Christian Andersen. Com tradução directa do dinamarquês por Silva Duarte, a Gailivro publicou cerca de uma centena e meia de contos, divididos em dois volumes, num total de quase 800 páginas. Há quem ache muitos deles tristes e morbosos, o que é verdade, mas isso não lhes retira qualquer valor literário, como é óbvio. Leia-se, por exemplo, a interpretação jungiana de Clarissa Pinkola Estés sobre alguns contos de Andersen em Women Who Run With the Wolves (Mulheres que Correm com os Lobos) e descobrir-se-ão outros e profundos significados.

O ano das grandes comemorações de H. C. Andersen foi 2005, na passagem do bicentenário, mas poderíamos ficar aqui o dia inteiro a escrever sobre o que está a acontecer neste momento, um pouco por todo o mundo. Hoje comemora-se o Dia Internacional do Livro Infantil. A festa é dos leitores.