quinta-feira, 23 de junho de 2016

LEITURAS DE FÉRIAS, 3: PIPPI DAS MEIAS ALTAS


«A sós com um livro, uma criança cria as suas próprias imagens, nos espaços secretos da sua alma. Essas imagens estão acima de tudo. São necessárias às pessoas. No dia em que a imaginação das crianças já não for capaz de criá-las, a humanidade ficará empobrecida.» Astrid Lindgren (1907-2002) proferiu estas palavras ao receber o prestigiado Prémio Hans Christian Andersen, em 1958, mas a sua criação mais famosa, Pippi das Meias Altas, seria bem capaz de faltar à cerimónia ou de interromper o discurso com uma das suas delirantes partidas. Pippi tem nove anos, é órfã e vive com dois animais de estimação, um macaco e um cavalo. Recusa-se a ir à escola, ganhou experiência de vida como «embarcada» e define-se como «encontradora de coisas». Alexandre Pastor, que traduziu diretamente do sueco, lembra, no texto introdutório da edição da Relógio d’Água: «Quando Pippi das Meias Altas foi publicado em 1945, conheceu um êxito imediato, apesar do alvoroço que criou entre os pais e os professores que viam em Pippi um perigo para a educação tradicional.» Visto que o modelo educativo não se alterou substancialmente desde então, não é de admirar que a leitura destes capítulos continue a provocar alguns arrepios. Entre as personagens femininas subversivas da literatura infanto-juvenil, de Alice às princesas mal comportadas dos álbuns de Babette Cole, é difícil encontrar quem manifeste tanta indiferença pelas instituições sociais, a par um sentido elementar de justiça e de liberdade individual. Uma espécie de anarquista, portanto.

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