sábado, 7 de maio de 2016

GEOMETRIAS DA IMAGINAÇÃO



«Gosto de viajar. Mas sou um miúdo pequeno, e os meus pais dizem que os gaiatos não se fizeram para andar por aí a passarinhar de terra em terra como se fossem andorinhas; ou saltimbancos, ou acrobatas, ou arlequins, polichinelos.» 

Começa assim a história deste rapaz, e mal o conhecemos já calculamos que fará tudo ao contrário. A subversão é uma das forças condutoras da escrita de Rita Taborda Duarte (Lisboa, 1973), o que a coloca num lugar à parte na literatura para os mais novos, livre de fórmulas, modismos e beneplácitos geracionais.

O Rapaz Que Não se Tinha Quieto (Caminho) vem juntar-se ao percurso iniciado com A Verdadeira História da Alice, Prémio Branquinho da Fonseca/Expresso/Gulbenkian 2003. Construindo uma história com vários níveis de leitura, a escritora responde à sua poeticidade imanente, ao humor lúdico e paródico (e mesmo auto-paródico), à vocação de experimentar a linguagem como um jogo. 

À medida que progredimos na narrativa, irrompe uma arquitectura feita da simbólica dos quatro elementos (ar, terra, fogo e água), bem como das formas geométricas da matéria; que as ilustrações delicadas de Ana Ventura (Lisboa, 1972) vêm configurar. Ressalta também a musicalidade das frases, como um texto cantado em que as rimas não parecem nem procuradas nem evitadas: «Conheço uma torre italiana, com nome de comida, que, em vez de crescer para cima a direito, vai subindo lentamente na diagonal. Mas essa é uma torre especial, feita de pedregulhos mágicos, com saudades da terra de onde foram arrancados. Esses pedregulhos, saudosos pedregulhos, não desistem nunca de a mirar, desejando a ela um dia retornar.»

Também o rapaz deste conto ambiciona construir uma torre para se evadir do mundo onde as pessoas «passam a ver tudo aos quadradinhos e muitas vezes, quase sempre, ficam também elas quadradas». O devaneio não lhe chega, há que deitar mãos à obra: «Dá trabalho, é preciso um dia atrás de outro dia. É preciso trabalhar com afinco, mas, na verdade, não tem muito que saber.» Juntando pedras e estrelas, a torre fica pronta e iluminada. 

Mas porque «o homem é o único animal que constrói desejos sobre os desejos», também este rapaz, que entretanto deixa de o ser, se cansa da torre de granito e inventa outra coisa. E nesse contínuo movimento leva-nos a nós, leitores, por caminhos singulares. «Um verdadeiro viandante, um genuíno calcorreador de estradas, deve ser imprudente. Tal como eu.»

O Rapaz que Não se Tinha Quieto
Rita Taborda Duarte
Ana Ventura (ilust.)
Caminho

(Texto publicado na revista LER Nº 134.)

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