sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

PERSÉFONE REINVENTADA


Talvez o leitor nunca venha a saber ao certo quem é Mina McKee. Dizer que se trata de uma menina de nove anos que lê William Blake («Era pintor e poeta e algumas pessoas diziam que era louco – tal e qual dizem de mim») já é desvendar algo sobre a «McKee Paradoxal», a «McKee Disparatada», a «McKee Esquisita». A McKee que responde aos testes inventando palavras à maneira de Joyce, sendo «retirada» da escola. Mas dizer isso é explicar quase nada. Goste-se ou não, entrar no diário de Mina McKee significa dar um passo no escuro, à procura das palavras que ressoam sob a superfície. Ao contrário de O Segredo do Senhor Ninguém, cuja narrativa se encadeava sem sobressaltos formais, O Meu Nome é Mina, passado num tempo imediatamente anterior, situa-nos numa escrita guiada pela corrente de consciência («stream of counsciousness»), em que o experimentalismo da linguagem atinge a própria composição gráfica e tipográfica. A história de Mina McKee, uma revisitação contemporânea do mito de Perséfone e Deméter – a princesa dos infernos e a sua mãe protectora e nutritiva –, é um dos romances juvenis mais extraordinários traduzidos em 2011.

O Meu Nome é Mina
David Almond
Tradução de Manuela Vaz
Presença

(Texto publicado na edição nº 109 da LER.)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

AS CASAS JÁ MORAM AQUI


Este ano o Pai Natal chegou um pouco atrasado, mas chegou. Eis os primeiros exemplares do Onde Moram as Casas, cuja capa (ficou linda, Alexandre) em breve estará a fazer companhia às outras três que podem ver ali à vossa direita. Quando é que sai para as livrarias? No mês dos gatos, claro!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

...E UM POSTALINHO TAMBÉM


Do Alex Gozblau, pois claro. O Jardim Assombrado vai passar o Natal ao norte, como manda a tradição. E ainda que de vez em quando gostasse de emigrar para a Nova Zelândia, levando atrás os seus metrosíderos, kauris, cabbage trees e restante flora endémica, promete que volta. Só para chatear. Boas Festas (e levem isto à letra)!

UMA PRENDINHA DE NATAL...


Seguindo a recente sugestão dada pelo nosso PM aos professores desempregados, inicialmente enviei este curioso item para uns happy few. Dado que a coisa começa a tomar proporções de concertação e estratégia nacional, parece-me que, mais tarde ou mais cedo, todos nós, detentores de passaporte português, seremos convidados a procurar melhor sorte noutras paragens. É bom termos governantes assim, que nos moralizam, que nos entusiasmam, que nos dão confiança e fé no futuro quando mais precisamos! O kit fica à disposição de todos os frequentadores do Jardim Assombrado, com a possibilidade de substituirem a Super Bock por Sagres e a sandocha de presunto por torresmos ou coisa parecida. (Imagem retirada do blogue Sud Express.)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A FADA QUE PERDEU AS GRAÇAS DO AR



Vindo da minha escritora portuguesa preferida, confesso ter ficado um pouco desiludida quando saiu a primeira aventura de Mopsos, o Pequeno Grego. Não sendo apologista do textinho-ligeiro-e-bacoco-para-criança-entender, não pude evitar achá-lo pesado e fastidioso, longe do encantamento imediato que se desprende das palavras de Hélia Correia. Reconciliei-me agora com A Chegada de Twainy, o primeiro volume de uma nova colecção para adolescentes que mergulha no imaginário anglo-saxónico das fadas e da little people, tão caro à autora de Lillias Fraser como era o da Grécia Antiga. “O que me fascina nas fadas é o facto de não serem criaturas morais. São imprevisíveis e caprichosas. São uns seres bravios e inumanos”, diz ela. Esperem pelo fim das festas para ler o artigo de três páginas que sairá na LER de Janeiro.

PLOFT!


A Toupeira que Queria Saber Quem lhe Fizera Aquilo na Cabeça, o best-seller de Werner Holzwarth (texto) e Wolf Erlbruch (ilustrações), publicado originalmente em 1989 e traduzido pela Kalandraka, tem agora uma nova edição sonorizada. Conseguem imaginar? Pois.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

DEZ BONS LIVROS DE 2011 E MAIS UM


- O Meu Nome é Mina, David Almond (Presença)
Do vencedor do Prémio Hans Christian Andersen 2010, um romance juvenil assente sobre um aturado trabalho de escrita.

- O Passeio da Dona Rosa, Pat Hutchins (Kalandraka)
Escrito em 1968, este é, provavelmente, um dos picture books mais perfeitos da segunda metade do século XX.

- A Contradição Humana, Afonso Cruz (Caminho)
Texto e ilustração potenciam-se para criar um verdadeiro livro de autor, que explica como todas as coisas têm o seu reverso.

- A Evolução de Calpurnia Tate, Jacqueline Kelly (Contraponto)
Um romance juvenil – e não só – que mostra como o saber científico tem o poder de revolucionar o indivíduo e a sociedade.

- Um Gato Tem 7 Vidas, Luísa Ducla Soares e Francisco Cunha (ilustrações) (Civilização)
No percurso de uma escritora com 117 livros publicados, este, sobre a morte, é com certeza um dos mais íntimos e comoventes.

- É um Livro, Lane Smith (Presença)
Um livro que parodia o conflito digital vs. analógico, escrito e desenhado com muito humor.

- Lulu e o Brontossauro, Judith Viorst e Lane Smith (ilustrações) (Gailivro)
Um daqueles livros raros que coloca adultos e crianças no mesmo patamar de divertimento, sem transigir na qualidade.

- Contos dos Subúrbios, Shaun Tan (Contraponto)
Exótico, inquietante, inclassificável. Um ilustrador de primeira água que também escreve foi finalmente publicado em Portugal.

- Um Dia, um Guarda-chuva, Davide Cali e Valerio Vidali (ilustrações) (Planeta Tangerina)
Narrativa habilmente engendrada, assente na lógica sequencial do picture book, cujas ilustrações ganharam o Prémio Ilustrarte 2012.

- Se Eu Fosse um Livro, José Jorge Letria e André Letria (ilustrações) (Pato Lógico)
Um livro pode ser uma casa, uma ilha, um aeroplano, um navio… Não há limites para a imaginação de André Letria neste livro de todos os livros.

PS – Estas foram as minhas escolhas para a lista dos melhores livros infanto-juvenis de 2011, tal como saiu na última LER. Podiam ser doze. Podiam ser vinte. Mas já se sabe como funciona a ditadura das listas. A última remessa de livros da Kalandraka chegou depois do fecho da edição, mas é claro que não podia deixar de incluir a obra-prima de Shaun Tan, Emigrantes, um dos mais gratos presentes de Natal que posso desejar a toda a gente.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

BOAS ARTES


Matilde Rosa Araújo faz capa do número 21/22 da Malasartes, que homenageia a escritora (1921-2010) com uma entrevista inédita conduzida por José António Gomes. Nesta edição dupla, maioritariamente escrita em português mas com um forte «braço» galego, há muito para ler. Os álbuns de capa mole da colecção Borboletras (Caminho), a revisitação de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira, e a influência do haiku na escrita poética para crianças são alguns dos temas tratados. Ah, e há também um generoso artigo de Sara Reis da Silva sobre uma certa e determinada escritora cuja obra se encontra “ainda em crescimento” (adivinhem quem é… o nome começa por “C”).

Publicada desde 1999, a Malasartes destina-se sobretudo a professores, bibliotecários, escritores, ilustradores, editores, livreiros, estudantes e todos os que se interessam pela crítica e divulgação da literatura infantil e juvenil, portuguesa e traduzida. Com este vasto público, devia vender imenso, o que não acontece (um daqueles fenómenos cuja compreensão me ultrapassa). São precisos mais assinantes, particulares e institucionais. A assinatura para Portugal e Galiza, dois números numa só revista, custa dez euros. As informações podem ser pedidas através deste email: malasartes@portoeditora.pt.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

NA HORA DE DORMIR


O Jardim Assombrado gostaria de poder justificar a sua preguiça por mor de boas razões, como seriam a leitura deste B.I. da Rede de Dormir, de Paulo Moreiras. Autor dos romances A Demanda de D. Fuas Bragatela, Os Dias de Saturno e o recente O Ouro dos Corcundas, dedicou-se ao estudo do objecto que Pêro Vaz de Caminha conheceu pela primeira vez em Abril de 1500 e apelidou de «rede de dormir». Na colecção «Bilhetes de Identidade», Paulo Moreiras publicou já o B.I. da Cereja e da Ginja, o B.I. do Palito, o B.I. do Tremoço, o B.I. da Perdiz, o B.I. da Morcela e o B.I. da Rede de Dormir. E explica: «Este bilhete de identidade aborda a temática da rede de dormir, tendo como base de trabalho, única e exclusivamente, a obra de antropólogo e etnógrafo brasileiro Luís da Câmara Cascudo, Rêde de Dormir – uma pesquisa etnográfica, obra notável e que não poderia permanecer durante mais tempo desconhecida no nosso país.»

sábado, 10 de dezembro de 2011

DANUTA & CIA





Danuta Wojciechowska, ilustradora que dispensa apresentações, vai lançar um novo livro com desenhos seus e aguarelas de pequenos artistas de Viana do Alentejo: Ribe-bé-béu! Laréu-ao-léu! A contadora de histórias Joaninha de Cabeção empresta a voz ao CD musicado por Sónia Mendes. A edição do livro é da Lupadesign e a apresentação decorre no dia 15 de Dezembro, na Livraria Ler Devagar, em Lisboa, com apresentação de Vítor Quelhas. Também haverá música ao vivo de Xavier Llonch e Nuno Rocha. Tudo boas razões para aparecer, a partir das 19h00.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

VOZES NO AR


Bastou um livro à dupla Raul Malaquias Marques e Yara Kono (De Sol a Sonho, Caminho) para se perceber a harmonia criativa entre dois autores destinados a entenderem-se. Se a primeira experiência foi uma das surpresas de 2009, O Ar Está Cheio de Vozes representa o regresso à melhor poesia de autor para crianças e à afirmação da ilustradora associada à Planeta Tangerina e vencedora do último Prémio Nacional de Ilustração. O estilo de Yara Kono está agora mais alinhado com a «constelação Tangerina», tendo aqui abandonado algumas das suas peculiaridades, mas a intenção de autonomizar e dilatar o significado das ilustrações também é notória. De quem são estas vozes que andam no ar? De pessoas e de animais, mas também de geradores eólicos no meio de moinhos quixotescos ou de palavras insatisfeitas com o novo acordo ortográfico. Não há temas banais, maiores ou menores, quando se trata de fazer uma reconstrução poética da realidade. É também disso que se ocupa a literatura.

O Ar Está Cheio de Vozes
Raul Malaquias Marques
Ilustrações de Yara Kono
Caminho

(Texto publicado na edição da LER nº 108, secção “Leituras Miúdas”.)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

SE EU FOSSE UM LIVRO...


Se eu fosse um livro gostaria sempre que me lessem até ao fim, mesmo contra o (ou por causa do) malefício da dúvida. Não podendo ser um livro, recomendo o novo do André Letria e José Jorge Letria, que é bem bonito e não se quer largar tão depressa. Aqui, o booktrailer.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

LIVROS LILLIPUTIANOS


O título deste post não tem nada a ver (mas podia) com a rubrica de Sandy Gageiro sobre livros infantis, na Antena 2. É mesmo a última chamada para ir ver - hoje ou amanhã de manhã - a exposição de Livros Miniatura que está no CCB, alguns tão minúsculos que tiveram de ser cosidos com fios de cabelo. Está tudo aqui. No meio da colecção também há livros para os mais pequenos, e isso, noblesse oblige, é algo que não podíamos deixar passar em branco.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

JÁ NÃO FALTA MUITO


O próximo livro está quase pronto. O quarto, com ilustrações do Alexandre Esgaio. Dizem que o número 4 representa a ordem, o rigor, a estabilidade, a segurança. São bons ingredientes (mas não os únicos) para fazer o quinto livro. E outros mais.

sábado, 19 de novembro de 2011

CONTADORAS DE HISTÓRIAS


OINC! A História do Príncipe-Porco é uma co-edição entre a Fundação Paula Rego e as edições Orfeu Negro, realizada a partir de desenhos de Paula Rego e com texto de Isabel Minhós Martins (Planeta Tangerina), tendo lançamento previsto nas livrarias de todo o país em 25 de Novembro.

A ideia do livro surgiu de um convite da Fundação Paula Rego às edições Orfeu Negro para um projecto de edição de um livro para crianças baseado na série de seis litografias que a Pintora Paula Rego criou em torno da história do Príncipe Porco, e que integram a Colecção da Fundação.

O texto, adaptado para leitores a partir dos 4 anos, parte do conto de tradição oral Re Crin (Rei Porco), recolhido pelo escritor italiano Giovan Straparola na obra Le Piacevoli Noti e publicado em Veneza no ano de 1500. Conta a história de um príncipe que nasceu na pele de um porco e que, apesar de sujo e malcriado, deseja a todo o custo casar com uma jovem bela e graciosa. Mas as três fadas que lhe lançaram o feitiço não vão facilitar-lhe a vida e a cada noiva, cada morte, até que ele encontre o verdadeiro amor…”

(Do press-release enviado pela Fundação Paula Rego. O lançamento de OINC! A História do Príncipe-Porco, que inclui uma leitura encenada e uma conversa em torno do livro, acontece na próxima quarta-feira, 23 de Novembro, às 10h30, na Casa das Histórias de Paula Rego, em Cascais.)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

UMA MULHER DO NORTE

“A galeria portuguesa tem como objetivo dar espaço a profissionais portugueses. A pessoas inspiradas e inspiradoras. Uma galeria que expõe o melhor que se faz por cá nas suas diversas formas de arte.” Não sei quem é o autor – ou autores – deste novo blogue, mas agradeço desde já a referência e, especialmente, a forma como começa o texto: “A Carla é uma mulher do Norte mas vive em Lisboa.” É uma pequena frase que contém um destino, uma crença e a sua contradição. A ser de algum lado, de facto, serei do Norte, onde nasci e vivi até aos onze anos, no eixo Matosinhos-Braga-Monção. Do resto, que veio depois, recordo pouca coisa.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

17º ENCONTROS LUSO-GALAICOS-FRANCESES


Faltam cerca de duas semanas para os 17º Encontros Luso-Galaico-Franceses do Livro Infantil e Juvenil, que este ano se realizam na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, dias 2 e 3 de Dezembro. Tema escolhido: “O álbum na literatura para a infância” (ou, se preferirem, o picture book). Para o desvendar, haverá conferências, comunicações, debates, ateliers/encontros e venda de livros e de publicações científicas. A imagem acima é a capa de um dos álbuns de Oli e Ramón Trigo, participantes no encontro pela “facção galega”. Aqui fica o programa completo (sim, nós também vamos estar lá):

2 de Dezembro, sexta-feira

Auditório da ESE - manhã
9:00 - Recepção dos participantes
9:30 - Sessão de abertura – Presidente da ESE do Porto; representantes das entidades organizadoras
10:00 - Para uma poética do álbum – Ana Margarida Ramos (Univ. de Aveiro, LIJMI, ELOS, Portugal)
11:15 - As reescritas no álbum infantil galego – Carmen Ferreira Boo (Univ. de Santiago, Galiza)
11:45 - Os álbuns de Carla Maia de Almeida – Carla Maia de Almeida (escritora, Portugal) e Sara Reis da Silva (Univ. do Minho, LIJMI, ELOS, Portugal)

Auditório da ESE - tarde
14:30 - A investigação em Literatura para a Infância e a Juventude – Blanca-Ana Roig Rechou (Univ. de Santiago, LIJMI, ELOS, Galiza), Sara Reis da Silva (Universidade do Minho, LIJMI, ELOS, Portugal)
15:30 - Apresentação da obra O Álbum na Literatura Infantil e Xuvenil (2000-2010) - Mar Fernández (Univ. de Santiago, LIJMI, ELOS, Galiza)
16:15 Encontro com António Mota (escritor) e José Manuel Saraiva (ilustrador) – Maria Elisa Sousa (ESE do Porto, NELA)

Sala X
16:15 - Os álbuns de Eric Many – Eric Many (ESE do Porto, França)
Sala Y
Os álbuns de Oli e Ramón Trigo – Carme Ferreira (Liter21, Univ. de Santiago), Geovana Gentili (Univ. de Santiago, LIJMI, ELOS, Brasil)
Sala Z
16:15 - Os álbuns de Manuela Bacelar – Carina Rodrigues (bolseira da FCT; LIJMI, ELOS, Portugal)

Auditório da ESE
18:00 - Canções tradicionais de Portugal, da França e da Galiza
Alunos da licenciatura em Educação Musical; direção: Rui Ferreira (ESE do Porto, Portugal)

3 de Dezembro, sábado

Auditório da ESE
9:30 - A crítica e a investigação em Literatura Infantil e Juvenil – Vanessa Regina Ferreira da Silva (Univ. de Santiago, LIJMI, ELOS, Brasil)
A revista Malasartes: Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude – José António Gomes (ESE do Porto, NELA, LIJMI, ELOS, Portugal)
A revista AILIJ – Isabel Mociño González (Univ. de Vigo, LIJMI, ELOS, Galiza)
10:15 - A construção de álbuns ilustrados. Oli, Ramón Trigo (escritores e ilustradores-Galiza) e Marta Neira Rodríguez (Escuela Universitaria de Magisterio CEU-Univ. Vigo, LIJMI, ELOS, Galiza)
11:30 - A obra de Manuela Bacelar – Manuela Bacelar (ilustradora, Portugal) e Sara Reis da Silva (Universidade do Minho, LIJMI, ELOS, Portugal)
12:30 - Encerramento – Representantes das entidades organizadoras e Coordenador do NELA

Informações e inscrições: nela@ese.ipp.pt

UM LIVRO GIGANTE


É um livro grande, em todos os sentidos. A Bags of Books, que iniciou o seu projecto editorial com Beatrice Alemagna (O Meu Amor e Depois do Natal), editou agora A Gigantesca Pequena Coisa, a última obra da autora nascida na cidade italiana onde se mostra o melhor da ilustração do livro infanto-juvenil: Bolonha. É muito difícil arrumá-lo em qualquer prateleira, mas essa é uma questão absolutamente menor comparada com o que realmente importa.

domingo, 13 de novembro de 2011

A ÚLTIMA CRÓNICA


Não, nunca nos habituamos à nostalgia do fim do Verão, por muito que tentemos. Por muito que nos digam: «para o ano há mais», «é tempo de recomeços», «a chuva faz falta» e «são bonitas as folhas no Outono». Pois, diz que sim. Mas quando arrumamos de vez as toalhas de praia, limpando os vestígios de sal, de sol, do cheiro a areia e a bronzeador, todas essas verdades bem-intencionadas perdem para a nossa atávica memória sensorial. Porque o Verão é sobretudo isso: imagens, sons, cheiros, sabores, texturas. É um cão a correr junto às ondas, é uma cara sardenta cheia de creme Nívea, é um beijo com sabor a gelado, é o perfume das estevas e dos pinheiros numa estrada secundária. Todos os anos, temos a possibilidade de retomar esse imaginário enraizado no passado e saboreá-lo novamente. E se o imaginário significa a possibilidade de brincar com as imagens que acumulámos desde crianças, então não existe época do ano mais livre nem mais completa. Nada se lhe compara, em amplitude e agudeza dos sentidos. Quando acaba, sentimo-nos inevitavelmente mais velhos, mais responsáveis. De certo modo, cada verão que termina é um ano perdido da nossa infância. Por isso a nostalgia do fim do Verão é sempre igual, estando nós diferentes. Repete-se ciclicamente, adiantando-se ou atrasando-se em relação ao calendário, mas chega o dia em que nos apanha, tal como a data do nosso aniversário. Não, nunca nos habituamos à ideia de que também o Verão envelhece. Como todos nós.

(Texto publicado na edição de 6 de Novembro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia". A extinção desta página, decorrente da reformulação editorial da revista, significa também o fim de uma colaboração regular que iniciei em 1994.)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A LEITURA NA IDADE DO ARMÁRIO


«Em suma, o adolescente não fecha a porta para sempre. Precisa de espaço e autonomia, pelo que não o podemos sufocar com a nossa prestável ajuda, como fazemos com as crianças. Temos também de perceber que está a construir o seu mundo a partir de estímulos diversos e simultâneos. Um livro adorado hoje será odiado amanhã, ou talvez não. E muito provavelmente um livro impenetrável hoje será legível amanhã. Para lermos com sucesso, temos de relacionar em permanência o que lemos com o nosso conhecimento prévio. Muitas vezes não damos por isso, mas sempre que lemos estabelecemos ligações. Por isso empatizamos com personagens, situações, descrições, ousentimos tristeza, nostalgia, medo, alegria, solidariedade, revolta. Se o livro estiver noutro hemisfério, para nós totalmente desconhecido, não o conseguimos ler. Pensando nos adolescentes e na instabilidade do seu desenvolvimento, a probabilidade de isto acontecer é muito maior. E é natural que assim seja.

A Promoção faz-se tentando e errando sempre. Muitos frutos não se vêem no imediato, não podemos cair na tentação de verificar se fizemos tudo bem, se o fizermos estamos a controlar a liberdade do outro e deitamos todo o trabalho por terra. Não há fórmulas milagrosas, há caminhos. Alguns não leitores nunca se tornam leitores, e têm esse direito. Muitos tornar-se-ão leitores selectivos, quando chegarem à idade adulta. É um mistério e uma maratona, necessariamente altruísta



(Só por falta de tempo é que ainda não tínhamos lido e linkado este excelente texto da Andreia Brites, entusiasta promotora da leitura e blogger do Bicho dos Livros. Ler tudo, mas tudo mesmo, aqui.)

ESTREIA


Com ilustrações de Anabela Dias, A Origem das Espécies Reinventada é o nome do livro de estreia de João Ferreira Oliveira, um novo autor editado agora pela Trinta Por Uma Linha. Lançamento marcado para a próxima sexta-feira, na Pó dos Livros.

EDUCAÇÃO, CULTURA E IMAGINÁRIO


Sexta-feira, 11 de Novembro, no Instituto de Educação da Universidade do Minho (Braga), o Colóquio Internacional Educação, Cultura e Imaginário propõe uma série de comunicações e mesas-redondas à volta dos temas “educação como viagem iniciática” e “educação sob o signo da luz e das sombras”. O colóquio tem como público-alvo estudantes, professores, educadores, investigadores, psicólogos e público em geral. Gostaríamos muito de estar presentes e esperamos que as greves dos transportes não atrapalhem o evento. O programa pode ser consultado aqui. Ilustração roubada a Daniel Silvestre da Silva.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

QUASE A COMEÇAR

A terceira edição do (mini) Curso de Livro Infantil com a Booktailors. Últimas inscrições e mais informações aqui.

domingo, 6 de novembro de 2011

TODOS OS CONTOS DELA


«As únicas histórias para crianças que eu escrevi são estas», afirma, levemente zangada, apontando o livro que nos acompanha na conversa, uma colectânea ilustrada e publicada em 2001 pela Editorial Lumen. «Los Niños Tontos não é uma história para crianças só porque tem a palavra «niño». As pessoas misturam tudo. E os editores também, a ver se cola. Mas uma coisa são livros sobre crianças e outra, completamente diferente, são livros para crianças. Não é uma literatura menor, de modo algum.»

(Também eu tive o privilégio de conhecer Ana María Matute, Premio Cervantes 2010, que passou meteoricamente por Lisboa há poucas semanas. É um ser raro, daqueles que nos impressionam só pela presença. Pedi-lhe para autografar este livro comprado na Fnac, há dez anos – uma edição já difícil de encontrar, segundo ela –, que guarda os seus únicos contos para crianças, a despeito do que possa dizer a wikipedia. O excerto acima pertence ao artigo publicado na última LER, que por lapso não surge assinado.)

sábado, 5 de novembro de 2011

OUTRAS COISAS SELVAGENS


Com obra dispersa por várias editoras, Sara Monteiro tem feito um percurso discreto pela literatura infantil, paredes meias com a poesia, o que nem por isso obscurece a sua originalidade e talento literário – duas qualidades nem sempre consideradas quando se trata de escrever para crianças. A Linha do Horizonte, uma narrativa relativamente extensa a que as ilustrações de Danuta Wojciechowska acrescentam significado (substituindo-se, no final, ao próprio corpo do texto), retoma o imaginário do primeiro livro da escritora, As Meninas de La Mancha (Asa, 1991). Crianças que entram subtilmente em mundos paralelos, abandonando os lugares seguros da casa e da família; aventuras em que o entusiasmo da descoberta convive com medos primitivos; jogos de espelho entre o narrador e os personagens; e uma noção poética do tempo e do espaço que reverte para a pura subjectividade da autora. Ao ler a história de Verão destas três crianças que navegam num dragão de borracha até aportar numa ilha desconhecida, habitada por um urso de humores flutuantes, é difícil não nos recordarmos de Maurice Sendak e O Sítio das Coisas Selvagens. Os monstros também moram aqui. E recomendam-se.

A Linha do Horizonte
Sara Monteiro
Ilustrações de Danuta Wojciechowska
Caminho

(Texto publicado na edição da LER nº 107, secção “Leituras Miúdas”)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A VIDA ANTES DA NIGELLA LAWSON


Naquela altura estávamos longe de adivinhar que especialidades como cannelloni, strogonoff ou chop suey entrariam nos hábitos alimentares portugueses. Em 1977, quando o Círculo de Leitores publicou o best-seller de Roland Gööck, tudo nos parecia exótico, irresistível, voluptuoso. Comparando com o Livro de Pantagruel, que marcava presença sóbria e reverencial nas cozinhas portuguesas, As 100 Mais Famosas Receitas do Mundo eram como um concurso da Radiotelevisão Italiana irrompendo a meio de uma eucaristia dominical a preto e branco. Não se conseguia tirar os olhos daquilo, sobretudo se o almoço tinha sido faneca frita com batata. Revestidos por um manto espesso de vernizes e conservantes, os pratos refulgiam nas páginas. A carne tenra do chateaubriand ainda palpitava. O zabaione era digno de receber o último banho de Cleópatra. A charlotte russe parecia um castelo de contos de fadas defendido por palitos à la reine. No meio deste cortejo de volúpias, que o autor dividia entre «alta cozinha» e «especialidades de rústico encantador», Portugal incluía-se, como é óbvio, no segundo grupo. A hierarquia de poderes era visível na supremacia da cozinha francesa (16 pratos), enquanto todo o continente africano se resumia a uma travessa de cuscus. «Especialidades de rústico encantador» eram também as nossas fatias de Tomar, confeccionadas com umas proibitivas 24 gemas, e a carne de porco à alentejana, servida em prato lascado e mesa humilde. Tratava-se de duas escolhas felizes, mas reveladoras das tendências ciclotímicas da nação: ora afundada em açúcar ora a apertar o cinto. É preciso ter estômago.

(Texto publicado na edição de 30 de Outubro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia".)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

PORTUGAL VIAJA ATÉ À FEIRA DE BOLONHA


É oficial. Portugal vai ser o país convidado da próxima Feira do Livro Infantil de Bolonha, marcada para os dias 19 a 22 de Março de 2012 (esperamos arranjar maneira de voltar lá...). O que há para saber, de momento, está no blogue de Sílvia Borges Silva, jornalista de cultura da Lusa, O Palácio da Lua.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

SWISS COUNTRYSIDE


Tínhamos seis, sete, nove anos, por aí. A Heidi só tinha cinco quando a Tia Dette a deixou com o Avô, no alto da montanha. Ao princípio achámos que aquilo não ia correr bem, as sobrancelhas dele estremeciam quando falava, era mau sinal. Depois, passou. A Heidi usava sempre o mesmo vestido cor-de-rosa com corpete e cordões à frente, cruzados; nós tínhamos botões e fecho éclair, era diferente. Vestíamos casacos de lã feitos à mão e pullovers de gola em «V» com a camisa a aparecer por baixo, estilo orelhas do Dumbo. As mães não se preocupavam em mandar-nos para a escola com as meias a condizer com as calças, nem sabiam o que era roupa de marca, de modo que nas fotografias de grupo parecíamos todos iguais, apesar da sobreposição de riscas, losangos e xadrez. Estávamos em 1976 quando a Heidi passou na televisão, a moda era terrível, os Natais sucediam-se e não havia maneira de as mães nos darem um Kispo. Algumas insistiam em cortar-nos o cabelo em casa, com a franja à Mireille Mathieu, e tínhamos de nos conformar com aquilo, e também com camisolas interiores que picavam, sobretudo depois de correr muito. E então? A Heidi teve de calçar sapatos quando foi viver para Frankfurt – e a Menina Rottweiler, ou Rottenmeier, fez-lhe a vida negra. Também, com um nome daqueles, estava-se mesmo a ver. Coisas boas: os adultos não achavam estranho que andássemos à bulha com outros miúdos, sabiam que aquilo passava depressa. Deixavam-nos picotar com alfinetes em cima de uma placa de esferovite sem ficarem logo histéricos. Brincávamos na rua e no quintal, sozinhos. As mães queriam-nos limpos, alimentados e com as vacinas em dia, a partir daí que tratássemos de ser felizes. E éramos. Éramos, pois.

(Texto publicado na edição de 23 de Outubro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia".)

sábado, 22 de outubro de 2011

PRÉMIO MARIA ROSA COLAÇO 2011

Só quem desconhece por completo a história da imprensa pode ter preconceitos contra a escola do jornalismo desportivo, que tem produzido muita pena ágil, segura e certeira. É por isso (e também por ter feito parte do júri...) que não me surpreende a atribuição do 6º Prémio Maria Rosa Colaço (este ano, na modalidade Infantil; para o ano, na Juvenil) a Joaquim Semeano, jornalista há mais de vinte anos e actual editor do jornal Record. A cerimónia de atribuição decorreu ontem, no Fórum Municipal Romeu Correia, em Almada. Notícia no Record.

TERTÚLIA PEQUENAS LEITURAS


“Há livros, que estão no princípio de tudo: são livros de mitologia, religião, mas também cartas de direitos, constituições. Servem para organizar, reger, construir. Criam linhas temporais. Dizem-nos de onde vimos e para onde ambicionamos ir. Como são apresentados às crianças estes textos? Como são ilustrados?”

Este é o mote da próxima Tertúlia Pequenas Leituras, que acontece na próxima quarta-feira, 26 de Outubro (18h30), na Bulhosa de Campo de Ourique, como é habitual. Pelo sugerido no excerto acima, que nos chegou por email, esta poderá ser uma excelente oportunidade de se discutirem as implicações político-ideológicas contidas nos livros para crianças (neste caso, no género informativo). Entre muitas outras coisas.

MAIS UMA ALICE


Desta vez com ilustrações de Tiago Albuquerque e Adriano Lameira. Uma edição Casa das Letras, a publicar em Novembro.

WORKSHOP DE LIVRO INFANTIL

De hoje a uma semana, no Hotel Tryp (Parque das Nações, Lisboa) Ana Mourato conduz mais um workshop de “Selecção do livro infantil adequado às diferentes etapas do desenvolvimento”. É um tema que dá azo a grandes dúvidas por parte de quem trabalha, de alguma forma, com livros para crianças. Destina-se ao público em geral, mas interessa sobretudo a professores, educadores, estudantes, psicólogos e a todos os que se preocupam em fazer escolhas acertadas nesta matéria (dizemos nós, que já o fizemos e recomendamos). Ana Mourato é psicóloga educacional, doutoranda em Psicologia da Educação, mestre Educação e Leitura e pós-graduada em Livro Infantil, além de coordenadora do projecto Ouvir o Falar das Letras (http://ouvirfalarletras.blogspot.com/). O workshop realiza-se das 9h30 às 17h45, custa 55.35 € e as inscrições podem ser feitas pelo telefone 93 780 71 61.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

SERENIDADE ESTÁTICA


Tantos anos de exposição à mira técnica não serviram para ensinar a maioria dos telespectadores a afinar a imagem, como era a intenção, mas foram suficientes para criar a memória de um mundo mais lento, com actividades limitadas entre a «abertura da emissão» e o «fecho da emissão». A mira técnica existia entre uma coisa e outra, ou fazia a sua aparição súbita em caso de avaria, precedendo o anúncio que também se tornou célebre: «Pedimos desculpa por esta interrupção. O programa segue dentro de momentos». Que sossego. Os dias eram largos e as noites primordiais. De certo modo, em versão espartana, a mira técnica foi a antecessora do canal MyZen TV, com a sua câmara imóvel durante horas seguidas a filmar a rebentação das ondas numa qualquer praia tropical. Onde hoje há compactos de televendas a impingir-nos espanadores anti-estáticos e faixas queima-gordura para o abdómen, não havia nada; a não ser um padrão geométrico indecifrável e a expectativa de que algo de bom estava para acontecer. Por exemplo: desenhos animados, tardes de cinema, variedades, hóquei em patins e, maravilha das maravilhas, telejornais que duravam apenas meia hora. O pesadelo da programação ininterrupta, da televisão acesa de manhã à noite, dos três aparelhos ligados em cada parede do restaurante de bairro, estava longe de ser realidade. E embora os verdadeiros motivos da mira técnica fossem insondáveis aos olhos do vulgo, a memória dessa presença estática parece-nos, hoje, tranquilizante. Tal como a expectativa de que algo de bom estava para acontecer.

(Texto publicado na edição de 16 de Outubro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia".)

NOVO LIVRO DE MARGARIDA FONSECA SANTOS


Amanhã, 19 de Outubro, pelas 19hoo, Maria Tereza Maia Gonzalez apresenta o livro Uma Questão de Azul-Escuro, de Margarida Fonseca Santos e Sandra Serra (ilustrações), uma abordagem ao tema do bullying. O lançamento decorrerá na Sede da APAV - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (Rua José Estêvão 135-A, Lisboa).

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

COISAS ACERTADAS

“Estamos num tempo com muito poucas narrativas. Creio que é isto que falta às gerações mais novas.” (Ler aqui a entrevista certeira de Dora Batalim à Pública. Via La Double Vie de Veronique.)

ONDE VIVE O MONSTRO


"I'm totally crazy, I know that. I don't say that to be a smartass, but I know that that's the very essence of what makes my work good. And I know my work is good. Not everybody likes it, that's fine. I don't do it for everybody. Or anybody. I do it because I can't not do it."

(Um artigo imperdível sobre Maurice Sendak publicado no The Guardian, onde se demonstra que alguns escritores de livros para crianças são gente pouco recomendável para se convidar para um churrasco ou coisa parecida. Via O Palácio da Lua).

HÁ TONTOS E TONTOS


"O Sr. Tonto vive na Terra dos Disparates, que é um sítio muito engraçado para se viver. Na Terra dos Disparates é tudo disparatado até mais não." Há tontos inofensivos e há tontos perigosos. Os segundos ganham eleições, os primeiros votam neles. É uma grande anedota, pois é.

domingo, 9 de outubro de 2011

OS GIGANTES INGLESES


Os primeiros autocarros de dois pisos chegaram a Portugal em 1947, poucos anos depois de a Carris ter iniciado o serviço de carreiras regulares. Traziam ainda a cabine do motorista do lado direito, sinal da ascendência inglesa comprovada pela marca Leyland, modelo Titan, um nome apropriado para gigantes de sete toneladas. Diz a tradição dos mitos e contos de fadas que os gigantes são mal compreendidos pelo vulgo – e estes não foram excepção. Recebidos com um misto de admiração e desconfiança nas ruas de Lisboa, tinham lugares sentados para 56 passageiros, sem por isso ocuparem mais espaço de via. Com este trunfo irrecusável venceram medos, curvas e solavancos, chegando também às sinuosas artérias do Porto, em 1960. Por onde quer que tenham passado, o tempo foi suficiente para integrá-los nas memórias mais felizes de várias gerações de passageiros. Quem foi criança e repetiu a aventura de subir ao primeiro piso com o autocarro em andamento, sempre na esperança de encontrar vazios os lugares da frente, pôde ver o mundo com os olhos bem abertos. Embalados por aquele equilíbrio instável e pelo motor trepidante, sentimo-nos invencíveis, dentro dos gigantes ingleses. Foi assim até 1995, ano em que desapareceram de vez das ruas de Lisboa, excepção feita para a inconstante versão turística. No Porto, ficaram até 1991, tendo regressado este ano, muito frescos e modernos, mas irreconhecíveis face à imagem que deles guardámos. É o progresso, dizem. No piso de cima, as crianças vêem agora o mundo com outros olhos.

(Texto publicado na edição de 9 de Outubro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia".)

sábado, 8 de outubro de 2011

ALTERNATIVAS À INDIGNAÇÃO


O cartaz é inspirado no best-seller Indignai-vos! e foi bem achado. De Outubro a Dezembro, a Booktailors oferece um desconto de 50 por cento a todos os desempregados e recém-licenciados à procura do primeiro emprego que queiram frequentar os próximos cursos (Livro Infantil incluído, para puxar a brasa à nossa sardinha). É boa ideia. É de aproveitar. É saber mais aqui.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

HOJE HÁ HISTÓRIAS


Hoje, às 21h00, no Espaço Geraldine, aos Restauradores (Tv. da Glória, 18, 1º), um serão de contos que promete: "Histórias de se Tirar do Chapéu". Com Ana Lage e Bruno Batista. Tudo aqui.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

VERSOS DESALINHADOS


Daniil Harms, pseudónimo de Dannil Ivánovitch Iuvatchov, foi alvo das perseguições do regime estalinista, que não se interessou apenas por escritores nobelizáveis como Boris Pasternak ou Aleksandr Solzhenitsyn. A educação das crianças sempre preocupou os sistemas totalitários; e daí a desconfiança pelos textos infantis de Daniil Harms, aqui ilustrados por Gonçalo Viana, cujas geometrias e sequências repetitivas não são estranhas ao construtivismo russo. Longe do realismo doutrinário e da celebração dos feitos e figuras gratas à nação, estes textos espelham, na sua brevidade e permanente autoirrisão (a começar pelo título, Esqueci-me Como se Chama), a incongruência e o absurdo da realidade, a par de um sentido lúdico totalmente desfasado dos imperativos moralizantes da cartilha política. Histórias nonsense com animais exóticos, episódios grotescos envolvendo a realeza ou viagens ao Brasil dos aborígenes e bisontes – tudo isto era mais do que a máquina do estado poderia tolerar. Daniil Harms morreu de fome, aos 37 anos, durante um dos encarceramentos onde terá sido convidado a reflectir sobre o alimento adequado à formação dos jovens cérebros.

Esqueci-me Como se Chama
Daniil Harms
Ilustrações de Gonçalo Viana
Tradução de Nina e Filipe Guerra
Bruaá

Texto publicado na edição da LER nº 106, secção “Leituras Miúdas”. Fora do registo infantil, Daniil Harms (S. Petersburgo, 1905) encontra-se publicado em português pelas editoras Hiena (Crónicas da Razão Louca, 1994) e Assírio & Alvim (A Velha e Outras Histórias, 2007).

domingo, 2 de outubro de 2011

É TERÇA-FEIRA


Apesar de o DN Jovem ter continuado na internet, do que os leitores a sério sentem saudades é sempre do «seu jornal»: o suplemento do Diário de Notícias que existiu entre 1983 e 1996, lançado por Mário Mesquita e coordenado por Manuel Dias. Saudades do papel, do cheiro oficinal do papel e das pontas dos dedos tingidas de letras, isso que faz algumas pessoas dizer logo «ai, que nojo». Saudades das terças-feiras, o dia em que a rapariga descia «as escadas quatro a quatro», como na canção do Sérgio Godinho, para sair à rua e comprar o DN, só por causa do seu suplemento favorito. Nessas terças-feiras a rapariga podia sentir-se especialmente importante, não só porque era bom ser «jovem» e ter um cartão catita que dava direito a seguro de acidentes pessoais e aconselhamento jurídico (e havia até um Ministério da Juventude, olha a excentricidade), mas sobretudo porque um texto seu podia ter sido publicado, com o nome por baixo, a idade e a terra onde vivia, fosse cidade ou uma aldeola qualquer perdida no mapa. Naquela página e nas páginas seguintes havia outros textos de quem tinha idade para ter Cartão Jovem e, muitas vezes, também se sentia perdido no mapa e no território. E sentir isso também era bom, era chegado, partilhado, generoso, é como ver alguém no comboio a ler um livro que também já lemos e ficar logo com vontade de meter conversa. Hoje, a rapariga ainda desce as escadas quatro a quatro, mas do que tem mesmo saudades é de marcar encontro com o «seu jornal» na tabacaria, todas as terças-feiras de manhã.

(Texto publicado na edição de 2 de Outubro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia". De Helena de Sousa Freitas, DN Jovem Entre o Papel e a Net, em edição da Esfera do Caos, conta toda a história do suplemento. Ver o post anterior.)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

DN JOVEM: HISTÓRIA E MEMÓRIAS


Não tendo sido uma “DN Jota” (traduzindo para as novas gerações: nunca tendo publicado no extinto suplemento do Diário de Notícias), fui fiel seguidora desde o início e tenho a memória vívida de acordar todas as terças-feiras com a expectativa acrescida de fazer parte dessa comunidade de leitores que foi o DN Jovem. Sei que não é muito canónico falar de lançamentos de livros um dia depois de terem acontecido (o Bibliotecário de Babel, atento como de costume, avisou a tempo), mas quem dera que fossem todos assim. Interessantes, descontraídos, participados, emocionados, indignados, com histórias reais para contar, longe das vaidades e das vacuidades do costume. Ontem, na Bulhosa de Entrecampos, Pedro Mexia apresentou o livro de Helena de Sousa Freitas que teve origem numa tese de mestrado do ISCTE: DN Jovem – Entre o papel e a net (História e Memórias de uma Transição), agora editado pela Esfera do Caos. Falei nele aqui e aqui, não vou repetir-me, a não ser para dizer que vale muito a pena ler ou consultar. Foi também o primeiro lançamento a que assisti em que o editor atingiu o nirvana do discurso encomiástico para o apresentador do livro (incluiu até a palavra “ilustríssimo”), sem no entanto dedicar uma palavra à sua autora. Sem dúvida, um lançamento diferente do habitual. Até nisso.

ENXERGAR MAIS LONGE


“Na visita ao oftalmologista veio a notícia: o menino teria que usar óculos. Um susto. Como serão meus óculos? O que eles vão me fazer enxergar? Que tipo de óculos serão? Ficarei parecendo uma mosca? As ilustrações do premiado André Letria acompanham as dúvidas e elucubrações do pequeno menino, apresentando ao leitor os mais diferentes tipos de óculos. Trata-se de um livro de literatura, mas também um livro de apoio para pais e crianças que vivem essa situação tão comum.”

(Do site da editora paulista Peirópolis, que acaba de lançar a versão brasileira do Não Quero Usar Óculos. Grande sorriso cá deste lado do Atlântico!)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

COLÓQUIO INTERNACIONAL DE LIJ


É um aliciante programa de dois dias que reúne três dezenas de escritores, investigadores, professores, mediadores de leitura e outros especialistas à volta das literaturas de língua portuguesa para crianças e jovens, num eixo geográfico que abarca o Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde e Moçambique. Acontece na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, dias 27 e 28 de Outubro. Está tudo aqui (clique na imagem deste link para aumentar o cartaz).

(Inscrições e informações pelo telefone 217920044 ou clepul@gmail.com)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

NOVO LIVRO DA GATO NA LUA


E vão três. O Que é o Amor?, de Davide Cali (texto) e Anna Laura Cantone (ilustrações) é novo título da Gato na Lua, nas livrarias esta semana. Davide Cali, nascido na Suíça, em 1972, foi o segundo autor publicado pela Bruaá, e não deverá desiludir quem gostou de Eu Espero…

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

NOVO LIVRO DA BAGS OF BOOKS


Com texto de Nuno Casimiro e ilustrações de João Vaz de Carvalho, O Mundo no Chão é a próxima novidade da Bags of Books, com lançamento marcado para o próximo dia 15 de Outubro, às 16h00, na FNAC Coimbra. A apresentação estará a cargo de Valter Hugo Mãe.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

OS DESASTRES DE TEODORO


Preferia ser reconhecido como um escritor que ilustrava, mas tudo o que fazia revelava esse génio criativo próprio de quem tira de si um universo tão singular quanto transbordante. Edward Gorey, cujo fantasma terá sempre um banco cativo no Jardim Assombrado, vai reaparecer em Outubro nas livrarias (depois desta edição já muito difícil de encontrar), agora com a chancela da Livros Horizonte. Quando Teodoro Encolheu (The Shrinking of Treehorn) é o primeiro título de uma trilogia que gostaríamos muito de ver continuada, com ilustrações de Gorey e texto de Florence Parry Heide (EUA, 1919), uma senhora que escrevia livros para crianças com o seu quê de excêntrico e absurdo, no tempo em que escrever livros para crianças com o seu quê de excêntrico e absurdo era, em si mesmo, excêntrico e absurdo. A tradução é nossa (Oh deuses, sede clementes!) e juramos que não encontrarão frases como a anterior.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

ERA UMA VEZ... O HOMEM, 2

ERA UMA VEZ... O HOMEM, 1


Há uma geração eternamente grata a um senhor de bigode e suíças grisalhas, de seu nome Albert Barillé. Foi o autor de uma das séries de animação mais inteligentes de sempre: Era uma vez… o Homem. Transmitida originalmente pela cadeia francesa FR3, passou na RTP entre 1978 e 79 (se a memória não nos falha, aos sábados de manhã), com a Tocata e Fuga em Ré Menor de J.S. Bach no genérico. Era a época em que os desenhos animados a preto e branco, esparsamente distribuídos pela grelha televisiva, se aguardavam com uma ansiedade quase natalícia. Depois de Vickie, o Viking, que anunciou um grito de libertação em relação aos bonecos fofinhos e semiestáticos; depois da descoberta de emoções mais dramáticas e complexas, graças à Heidi e ao Marco, a série Era uma vez… o Homem representou os primeiros passos na conquista da maturidade, mais ou menos como passar da escola primária para o ciclo preparatório dos desenhos animados. Foram 26 semanas a acompanhar a evolução da primeira célula e a extinção dos dinossauros, a transição do homem de Neanderthal para o Cro-Magnon, as civilizações dos vales férteis da Mesopotâmia, a expansão dos grandes impérios. Vinte e seis semanas para conhecer o século de Péricles, a rota de Marco Polo, o reinado de Isabel I, a corte de Luís XIV, a Rússia de Pedro o Grande e tantos outros mundos. Os argumentos e diálogos de Albert Barillé eram historicamente factuais, mas não escondiam preocupações pacifistas ou ecológicas, nem a sua desconfiança pelo pior da espécie humana. O último episódio intitulava-se, justamente, «Era uma vez… a Terra (e amanhã?)». Passados mais de trinta anos, continuamos sem saber responder.

(Texto publicado na edição de 18 de Setembro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia".)