sexta-feira, 3 de setembro de 2010

QUEM DISSE QUE NÃO HÁ NOVOS ESCRITORES?


Tornou-se um lugar-comum afirmar que faltam em Portugal novos escritores de livros para crianças e adolescentes, por contraponto à aparente exuberância de ilustradores.

Como todos os lugares-comuns, também este comporta uma dose de verdade (que não aproveita a ninguém) e outra de equívoco, tanto mais pernicioso quanto mais se propaga pela boca de escritores consagrados. Ouvir alguém com obra feita dizer, com ignorância blasée e uma pontada de malícia, que «não acompanha» e «não sabe» o que escrevem os mais novos é, no mínimo, desgostante.

E, no entanto, eles andam aí. Embora longe do boom que se fez sentir nos últimos anos da década de 1970 e se prolongou na de 80, ainda com os ilustradores em secundaríssimo plano, temos assistido ao aparecimento de «novos» escritores apostados em manter uma produção mais ou menos regular no campo da literatura infanto-juvenil.

Correndo o risco de esquecimentos injustos, mas para que esta afirmação não fique no conforto da zona atmosférica, citaríamos (por ordem arbitrária) os casos de David Machado, Afonso Cruz, Isabel Minhós Martins, Rita Taborda Duarte, Tiago Rebelo, Ondjaki, Pedro Teixeira Neves, Rosário Alçada Araújo, Eugénio Roda, Nuno Higino, Bruno Santos, João Manuel Ribeiro, João Paulo Cotrim, Luísa Fortes da Cunha, Fátima Pombo, João Pedro Mésseder e Francisco Duarte Mangas como exemplos de «revelações» dos últimos dez ou doze anos. São poucos? Talvez. Mas não são invisíveis. E outros nomes que pudéssemos acrescentar não nos livrariam do paradoxo de Sorites: se a um monte de areia retirarmos um grão, continuamos a ter um monte de areia?

Queremos com isto dizer que não é fácil, nem tão pouco será o mais importante, fazer comparações quantitativas entre escritores e ilustradores. Teríamos de pesar a arte de uns e de outros, para a qual não existe fiel da balança. O que não se pode acreditar é que todo o talento tenha escoado de repente para um dos lados, deixando o outro à míngua. Se se criaram condições para que os ilustradores fossem reconhecidos como autores, ultrapassando o regime da semiobscuridade, algo semelhante pode acontecer em relação aos escritores. E os editores, andam atentos?


(Por razões de espaço, tive de cortar uns quantos caracteres deste texto publicado na recém-saída LER 94 – que em nada afectaram o essencial da argumentação. “Boca do Lobo” é o nome de uma nova coluna de opinião que sairá regularmente na secção “Leituras Miúdas”, a partir deste mês. Em homenagem a um dos meus animais totémicos.)

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