quinta-feira, 8 de julho de 2010

CORRE, COELHO


«O meu nome é Ismael. Sou um coelho bravo e vivo no bosque.» Em homenagem a Moby Dick, Miguel Sousa Tavares parafraseou um dos incipits mais famosos da literatura e criou um personagem descendente dos bestiários pedagógicos. Descendente, também, de um pai chamado Coelho Maltese (escusado explicar) que lhe ensina tudo o que há para saber acerca da sobrevivência e um pouco mais, incluindo a linguagem dos homens. Com os neurónios bem estimulados, chega o dia em que Ismael se aproxima da casa onde Frédéric Chopin ensaia os seus «Nocturnos». Rendido à música, acaba por denunciar-se e tornar-se amigo do compositor polaco, que, doente, lhe oferece uma das partituras, «a melhor de todas que ele alguma vez escreveu». Não há muito mais a contar a partir daqui. Miguel Sousa Tavares regressou ao elemento em que nitidamente se sente mais à vontade – a Natureza, a temática ecológica, o relacionamento entre homens e animais… –, mas falta a esta história um pouco (ou muito) de acção e conflito, sem os quais a narrativa não descola. E Miguel Sousa Tavares conseguiu isso com O Segredo do Rio, apesar de depois ter perdido o rumo com O Planeta Branco. Mais do que os nomes dos personagens – uma opção estética do autor –, o que nos causou perplexidade em Ismael e Chopin foi a preferência por um registo contemplativo que, apesar de competente, impede a história de correr como o seu protagonista merece.

Ismael e Chopin
Miguel Sousa Tavares
Ilustrações de Fernanda Fragateiro
Oficina do Livro

(Texto publicado na LER nº 93)

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