quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

QUANDO O MENINO JESUS TEVE MÃE


A eleger um livro infantil do Natal de 2009, só pode ser este: O cavalinho de pau do Menino Jesus e outros contos de Natal, de Manuel António Pina. São apenas três histórias, mas que histórias. Na última, o Pai Natal é afastado pelos seguranças dos Reis Magos,consegue infiltrar-se e deixar um cavalinho de pau ao Menino Jesus, que imediatamente põe de parte o ouro, o incenso e a mirra. Era o que qualquer criança minimamente saudável faria. Noutra, conta-se a viagem dos Reis Magos até Belém; e de como a existência de camelos em vez de dromedários impediu as Rainhas Magas de os acompanharem, causando alguma bossa, perdão, alguma mossa, na já antiga guerra dos sexos. A minha favorita é a primeira, "O sorriso", com uma Nossa Senhora a ser mãe de verdade e um São José atento como são os verdadeiros pais. Porque essa história de um Menino Jesus inventado no Céu, nascido de uma mulher que "não tinha amado antes de o ter", como diz o poema de Alberto Caeiro, é a coisa mais triste que há. E se algum leitor considera isto uma heresia, é melhor passar ao lado do livro. Um excerto:

"Acordou sobressaltado com um grito da mãe, depois outro, e outro. Ouviu São José vir a correr amparar Nossa Senhora:

«Deixa-te estar deitada, deixa-te estar deitada!»

Nossa Senhora gritou novamente. O seu coração batia violentamente mesmo ao lado do Menino Jesus, os seus pulmões arfavam, todo o seu corpo estremecia. Assustado, o Menino gritou também, um grito sem voz que apenas ele ouviu dentro da sua cabeça. Tudo se congestionara e entrara em convulsão. De repente sentiu-se puxado para baixo por uma força irresistível. As águas, à sua volta, escoavam-se agora em turbilhão, arrastando-o. Fora do seu corpo, Nossa Senhora gemia de dor. Sentiu, também ele, uma dor enorme, como se estivesse a ser arrancado de si. Ao mesmo tempo, no entanto, experimentava uma imensa e misteriosa felicidade, uma espécie de bem-aventurança que não percebia se era interior se exterior, como se alguma forma de destino ou de vontade estivesse a cumprir-se. Fechou os olhos e deixou-se escorregar docemente para fora da mãe."

(O cavalinho de pau do Menino Jesus e outros contos de Natal, de Manuel António Pina, com ilustrações de Inês do Carmo, Porto Editora)

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