quarta-feira, 28 de outubro de 2009

I MISS MY HERMES, BABY


Quando quero matar saudades da minha primeira máquina de escrever, procuro A Namorada de Wittgenstein. Também tive uma assim, “igualita, igualita, igualita, igualita, igualita”, como se diz num filme do Almodóvar. Era do meu pai, a mesma máquina em que ele escreveu centenas de poemas, antes de os queimar um a um, com medo de parecer sei lá o quê. Uma Hermes Baby dos anos 1960, verde-água, aquele verde igual a uns certos comprimidos que faziam pensar depressa, fumar muito e acordar no dia seguinte a ranger os dentes, na ressaca de uma genialidade ilusória. Desse tempo, só tenho um monte de folhas amarelecidas, dactilografadas a um espaço, com títulos parvos e pomposos como “Formalização e idealização da realidade poética em Baudelaire” (efeito dos comprimidos), cheios de baboseiras académicas que não me atrevo a reler. Não sei o que foi feito dela, dessa Hermes Baby. Um dia mudei de casa e deixei para trás uma arca cheia de coisas preciosas, mas esqueci-me de a fechar a chave, até porque não havia chave. Foi o bastante para “facilitar o extravio”, como se diria em linguagem alfandegária. Perdi-a, em boa verdade; ou deixei que a perdessem, o que vai dar no mesmo. Pagava para ter de volta a minha Hermes Baby, se a culpa tivesse preço. Não tem. O melhor que consigo fazer é olhar para este blogue e imaginá-la em boas mãos. É que nunca se sabe as voltas que os extravios dão até se completarem.

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