sexta-feira, 22 de maio de 2009

TODA A ARTE É DIZER QUALQUER COISA


Este ano, as compras na Feira do Livro de Lisboa pautaram-se pelo método cirúrgico. Em vez dos habituais sacos carregados de saldos e de livros do dia, que não têm espaço na conjuntura actual (isto é, não há tempo, não há cabeça e não há mais estantes), optei por ir directa a alvos previamente definidos. Além da biografia ilustrada de Roald Dahl e de dois livros de contos, boa parte do orçamento foi consumida pelo infra-citado Dicionário do Livro e por outro catatau (“Livro volumoso. Calhamaço”), um estudo de Paulo Heitlinger recomendado pelo meu editor: Tipografia – Origens, Formas e Uso das Letras (Dinalivro). São obras de consulta que se podem ler com um sentido narrativo.

Para casa veio ainda A Arte, Mestra da Vida – Reflexões sobre a escola e o gosto pela leitura (Quimera), da professora Maria do Carmo Vieira, também já referido aqui e aqui. Trata-se de um pequeno ensaio publicado numa edição cuidada, com reproduções de fotografias e pinturas – a começar pela capa de Jean-François Millet, Lição de Tricotar –, em que se apontam alguns dos atentados contra a inclusão da literatura nas escolas, progressivamente arredada em nome de misteriosos “interesses dos alunos”. É assim que clássicos como Gil Vicente, Camões ou Vieira perdem terreno, nos programas e nos manuais, para textos fragmentados e passageiros – “reclamações, bulas, etiquetas de vestuário, notícias, publicidade” – e de utilidade duvidosa num mundo cada vez mais polarizado no domínio do conhecimento. Na minha humilde opinião, é mais fácil que quem tenha gosto e hábito de ler literatura consiga escrever num Livro de Reclamações do que o contrário. Agora, usar um texto de Fernando Pessoa para elaborar um atestado, uma declaração ou um certificado parece-me uma enormidade. Não é assim que se aprende a gostar de ler.

PS – o título deste post remete para a página nove do livro: “(…) toda a arte que não sendo literatura é uma forma de literatura, porque toda a arte é dizer qualquer coisa, nas palavras de Álvaro de Campos, o engenheiro naval da heteronímia pessoana”.

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