quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

SUPERSTIÇÕES


Gosto de brindar ao Ano Novo com 12 horas de avanço e um calendário made in New Zealand. Toda a gente tem direito às suas manias. Esta não é das piores.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O MAR NOS ANTÍPODAS


Há sempre um português com azar bastante para ser encontrado por outro português, mesmo no lado oposto do mundo. Por causa de uma personagem atormentada pelo passado, atravessei O Mar em Casablanca a pensar em G. e no nosso improvável encontro na Nova Zelândia, há precisamente cinco anos.

Num alfarrabista de boas e más memórias, alguém falou de um português razoavelmente conhecido, que já tinha aparecido na imprensa local. Logo ali imaginei matéria para um artigo. Devia ter pousado o telefone quando ele respondeu “I beg your pardon?”, sem sinal de interesse ou curiosidade, só o enfado natural de quem acaba de ser interrompido no seu trabalho por uma arenga de vogais e consoantes numa língua remota – 25 mil quilómetros de distância é muito tempo. Respondi em inglês, queria conhecê-lo, ele disse “let me see” e ficámos assim, cada um com o seu cubo de gelo na boca, o telefone calado durante uma semana e tal.

Rumei a sul das planícies verdes e ocres de Canterbury, com a lembrança de G. no meu encalço. Teimosa, insisti. Ele providenciou o encontro com eficácia britânica, mas sem entusiasmo. Encontrámo-nos no seu local de trabalho, um departamento do estado nos limites da cidade, onde, para disfarçar a timidez, G. iniciou um périplo explicativo e abusivamente pormenorizado. Tudo o que eu queria era ouvir uma boa história. Um português nos antípodas de Portugal, o mais longe possível, o mais sozinho possível, foge de quê? G. não enganava: baixo, moreno, semicalvo, de idade incerta. As rugas acumulavam-se na testa e desenhavam um mapa erguido sobre melancolias e obsessões sólidas. Mais de vinte anos na Nova Zelândia não tinham chegado para o tornar num homem tranquilo, alegre, easy going – e desse destino é difícil fugir.

A língua-mãe já representava para ele um continente intransponível, de modo que acordámos em conversar em inglês. Fiz-lhe uma pergunta, a pergunta mais óbvia, imediata: como veio parar aqui? G. começou a chorar, todo o corpo chorava e tremia como um animal que acabasse de ser atropelado. Ao contrário do inspector Jaime Ramos, G. não era um exemplo do strong and silent type. Não fazia parte do género de pessoas “que preferem a sombra, as que atravessam a noite pelas estradas secundárias”. Pediu desculpa por estar a chorar; e não se pode ser mais português do que isso. Depois contou como tinha ido de país em país, tentando escapar ao passado, até parar na Nova Zelândia, o único lugar que.

Casou-se e teve filhos. Divorciou-se. A mulher nunca soube daquela história dos tempos da ditadura, envolvendo perseguições políticas, pides e lutas estudantis. O mais estranho era que G. também já não sabia quase nada de si próprio, nem sequer de que lado estava, se dos bons ou dos maus. Pelo menos, foi isso que me garantiu. “I don't remember, I don't remember”, continuava a dizer. Houve um ponto, ninguém sabe exactamente quando, em que G. começou a ser devorado pelo seu segredo, em vez de se alimentar dele para sobreviver.

Despedimo-nos duas horas depois com um cumprimento cordial e um embaraço impossível de disfarçar. Sabia que não nos voltaríamos a ver, que não ia haver convites para jantar em casa – é certo que a gastronomia do país é desgostante – nem passeios de carro pela península de Banks. No regresso, telefonei-lhe do aeroporto de Auckland, ele desejou boa sorte e boa viagem. Recomendou uns comprimidos homeopáticos para o enjoo que não funcionaram. Em Lisboa, dias depois, enviei-lhe dois e-mails a que ele nunca respondeu, como é óbvio. Se vivesse na Nova Zelândia, também eu gostaria que me deixassem em paz.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

UM PRESENTE INESPERADO


Na imagem acima, a capa original de A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia, de Selma Lagerlöf, uma relíquia de 1948 com a marca da Editora Nacional de Afonso Machado (Rua do Almada, 125, Porto). Habituei-me a ver este livro numa estante da casa dos meus avós, em Matosinhos. Por nenhum motivo em especial, nunca o li quando era pequena, mas ao longo destes últimos anos em que a casa desapareceu – com uma série de objectos que apenas vivem na memória fotográfica – tenho pensado nele obsessivamente, bem como noutros livros a que perdi o rasto. Por exemplo, na caixa de quatro volumes dos Contos Tradicionais Portugueses escolhidos e comentados por Carlos de Oliveira e José Gomes Ferreira, com ilustrações de Maria Keil, uma edição especial da Figueirinhas que o meu pai me ofereceu em 1975 ou 76. Na última Feira do Livro de Lisboa estive quase a reencontrá-lo no stand de um alfarrabista, mas perdi-o novamente “para uma senhora que passou há cinco minutos”. Já é azar. Não sei se vou ser capaz de ler agora A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson na tradução de Maria de Castro Henriques Osswald, talhada num português vetusto em que se encontram passagens do género “o pato deixou grande vácuo naquela casa”. Mas recuperá-lo das trevas de uma garagem, este Natal, já foi um presente inesperado.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A LIVRARIA BARATA E AS BOAS PRÁTICAS

Deixei de comprar livros na Barata há uns anos, quando fui atendida por uma livreira em estado de sítio emocional, que talvez sonhasse com um papel de pitbull no videoclip de um MC qualquer. Queixei-me ao gerente, que pediu muitas desculpas e lamentou a ausência de “boas práticas”, um eufemismo simpático. O press-release que acabou de chegar da Leya talvez permita que se façam as pazes com uma livraria que perdeu muitos dos seus clientes também por sua exclusiva responsabilidade. Não é isso que está subentendido em baixo, mas enfim. Também há quem não acredite que o homem pisou a Lua.

“O grupo Leya e a Livraria Barata estabeleceram uma parceria para a exploração daquele espaço da Avenida de Roma, em Lisboa. O acordo tem como objectivo a revitalização e dinamização da conhecida livraria, um dos ícones do universo livreiro da capital. É também objectivo fundamental desta parceria a manutenção do excelente serviço pelo qual a Livraria Barata é conhecida entre os seus clientes. O acordo prevê, igualmente, a instalação, no piso -1 da Barata, da "Loja do Professor", espaço que será dedicado aos Professores e às editoras escolares integradas na Leya - Asa, Gailivro, Novagaia, Texto e Sebenta.”

O TERRÍVEL E O SUBLIME


Para quê comprar animais quando se pode adoptar? Pessoalmente, concordo, mas não sonho ser modelo para ninguém. A última campanha da PETA (People for Ethical Treatment of Animals) tem irritado muito boa gente da Igreja Católica, talvez não tanto pela apropriação da iconografia religiosa como pelos pontos sensíveis que ali se tocam. Pele com penas ainda vá, mas pele com metal e aquela cruz estrategicamente colocada em forma de triângulo isósceles invertido é que não pode ser. Já tinham ouvido falar da actriz e modelo Joanna Kruppa? Pois, eu também. Mas as senhoras de tweed não vendem e a PETA sabe que as celebridades, ou aspirantes a, são indispensáveis à causa dos direitos dos animais e do vegetarianismo. É difícil desligar uma da outra – e grande parte da fractura passa por aí. Género: "Adoro o meu cão, mas deixa em paz o meu cabrito assado."

Apoiantes declarados da PETA são Ellen DeGeneres, Paul McCartney, Forest Whitaker, Joss Stone e Eva Mendes, entre muitos outros. E agora também uma das actrizes da saga Crepúsculo, recente adepta do famoso slogan "I'd rather go naked than wear fur". Há quem veja aqui um bando de radicais, terroristas, exagerados, ambiciosos e oportunistas. Esses e outros – bem piores – adjectivos também se aplicam ao que hoje se passa na indústria alimentar e cosmética, nas experiências de laboratório, nos treinos militares e em todas as engrenagens de produção em que os animais são submetidos a torturas inimagináveis. A PETA é radical? Pois é. Amor com amor se paga.

ROTAS SUICIDAS


Excepção feita para as catástrofes climáticas e pouco mais, as notícias do lado oposto do mundo não chegam cá facilmente. O inverso também sucede, é claro. O critério da proximidade geográfica, regra básica do ABC do jornalismo, só é superado pelos "factores desgraça, curiosidade ou aberração". Em nenhuma destas categorias se pode incluir a notícia recorrente das baleias que dão à costa da Nova Zelândia, todos os anos. Saiu hoje no Público. Ninguém sabe explicar ao certo por que razão isto se repete. Umas vezes as baleias salvam-se com a ajuda das populações locais e dos turistas bem-intencionados, mas a maioria morre lentamente. Nos últimos dias aconteceu na península de Coromandel, ilha Norte, e também em Farewell Spit, no topo da ilha Sul. Muitas já foram enterradas na praia, seguindo os costumes sagrados dos maoris. Fizeram-se vigílias durante a noite para impedir a presença dos caçadores de troféus e outros abutres. Notícia e video da ONE News aqui.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

NATAL EM FAMÍLIA


Pode ser apenas uma sensação de estranheza, mas clique na imagem se lhe apetecer exagerar. Passa dentro de poucos dias. Nós voltamos.

BLACK IS BEAUTIFUL


O Livro Negro das Cores, de Menena Cottin e Rosana Faría. O presente de Natal da Bruaá. Ver mais aqui.

QUANDO O MENINO JESUS TEVE MÃE


A eleger um livro infantil do Natal de 2009, só pode ser este: O cavalinho de pau do Menino Jesus e outros contos de Natal, de Manuel António Pina. São apenas três histórias, mas que histórias. Na última, o Pai Natal é afastado pelos seguranças dos Reis Magos,consegue infiltrar-se e deixar um cavalinho de pau ao Menino Jesus, que imediatamente põe de parte o ouro, o incenso e a mirra. Era o que qualquer criança minimamente saudável faria. Noutra, conta-se a viagem dos Reis Magos até Belém; e de como a existência de camelos em vez de dromedários impediu as Rainhas Magas de os acompanharem, causando alguma bossa, perdão, alguma mossa, na já antiga guerra dos sexos. A minha favorita é a primeira, "O sorriso", com uma Nossa Senhora a ser mãe de verdade e um São José atento como são os verdadeiros pais. Porque essa história de um Menino Jesus inventado no Céu, nascido de uma mulher que "não tinha amado antes de o ter", como diz o poema de Alberto Caeiro, é a coisa mais triste que há. E se algum leitor considera isto uma heresia, é melhor passar ao lado do livro. Um excerto:

"Acordou sobressaltado com um grito da mãe, depois outro, e outro. Ouviu São José vir a correr amparar Nossa Senhora:

«Deixa-te estar deitada, deixa-te estar deitada!»

Nossa Senhora gritou novamente. O seu coração batia violentamente mesmo ao lado do Menino Jesus, os seus pulmões arfavam, todo o seu corpo estremecia. Assustado, o Menino gritou também, um grito sem voz que apenas ele ouviu dentro da sua cabeça. Tudo se congestionara e entrara em convulsão. De repente sentiu-se puxado para baixo por uma força irresistível. As águas, à sua volta, escoavam-se agora em turbilhão, arrastando-o. Fora do seu corpo, Nossa Senhora gemia de dor. Sentiu, também ele, uma dor enorme, como se estivesse a ser arrancado de si. Ao mesmo tempo, no entanto, experimentava uma imensa e misteriosa felicidade, uma espécie de bem-aventurança que não percebia se era interior se exterior, como se alguma forma de destino ou de vontade estivesse a cumprir-se. Fechou os olhos e deixou-se escorregar docemente para fora da mãe."

(O cavalinho de pau do Menino Jesus e outros contos de Natal, de Manuel António Pina, com ilustrações de Inês do Carmo, Porto Editora)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O PAI NATAL DO ALEX GOZBLAU


Não há grandes esperanças a ter no Natal. É uma época em que estala muito o verniz.

SEI DE UM SÍTIO EM LISBOA...

... onde estão quase a chegar cinco Malasartes nº 18, as tais que ninguém consegue encontrar. É a Livraria Obras Completas, no Centro Comecial Dolce Vita, em Miraflores. O telefone é o 21 410 55 80. Falar com a Sandra Simões, uma livreira que não brinca com a literatura para crianças.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

PARA QUEM LEVA AS PALAVRAS MUITO A PEITO


Se ainda acreditasse no Pai Natal, pedia-lhe que me trouxesse todas as t-shirts da Criarte, em tamanho S, nas seguintes cores:

Verde-água ou preta: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo", Álvaro de Campos.
Castanha: “Dá-me uma mão a mim e a outra a tudo o que existe", Alberto Caeiro.
Branca: “A vitória triunfará àquele que tímido ouse", Agostinho da Silva.
Verde: “Para nascer pouca terra, para morrer toda a terra", Padre António Vieira.
Laranja: “Os homens em nenhuma coisa mostram mais o intrínseco dos seus pensamentos que no que escrevem", Damião de Góis.
Azul: “Nesses dias distantes nem suspeitava, a vida pode ser interminável", José Tolentino Mendonça.
Preta: “No dia que fiquei cego decidi ser fotógrafo", Al Berto.
Fogo: “No teu amor por mim, há uma rua que começa”, Ruy Belo.
Azul-anil: “Da Europa todo, o Reino Lusitano, onde a terra se acaba e o mar começa", Luis de Camões.

AGOSTO NO TELHADO


Um vestidinho de chita vermelho caía bem melhor do que esta chuva. Olá, Maria.

ABRIL NA VILA BERTA


"Esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas" (Al Berto). Maria Mateus, again.

PERDIDA NO CHIADO


Não encontrei o presente de Natal que queria, mas perdi-me no Chiado com estes postais ilustrados por Maria Mateus. Descobertos por acaso na loja Alma Lusa, ao Rato.

domingo, 20 de dezembro de 2009

NÃO TAMAGOTCHIZARÁS OS ANIMAIS


O escritor e ilustrador alemão Wolf Erlbruch (n. 1948), Prémio Hans Christian Andersen de ilustração em 2006, conhecido entre nós pelos livros A Grande Questão (Bruaá), O Mistério do Urso (A Cobra Laranja) e A Toupeira que Queria Saber Quem lhe Fizera Aquilo na Cabeça (Kalandraka), dá a sua visão da representação dos animais nos livros para crianças. Excerto de uma pequena e fundamental entrevista publicada no blogue da Bruaá:

"The figures and animals you draw are not beautiful in the classic sense of the word. Why?
That is because we, too, at least most of us, are not beautiful in the classic sense of the word. It would be terrible if we all had the same cosmetic surgeon – we would all be walking the streets, bored out of our minds, for there would be nothing new to discover. Animals are in fact not beautiful, they are phenomenal. They fascinate us with their sincere “that’s the way we are” approach to life. It is this phenomenal aspect that I try to re-create in my work. The animal should not be “tamagotchified”. These days it sometimes happens that children are even shocked when they see a real rabbit in a field. They had not imagined a rabbit could be like that. They had been brought up on rabbits with bright-blue discs for eyes and a pink nose – and then they are faced with this monster. That however is the way rabbits are – a big, bony, rather severe animal that commands respect and not in any way cute."

(A ilustração acima pertece à contracapa de O Mistério do Urso. Mais sobre Wolf Erlbruch aqui. Entrevista completa aqui.)

CRAZY GAIMAN




Crazy Hair, de Neil Gaiman (ed. Harper Collins). Para ler, ver e ouvir.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

ELA ONTEM ADORMECEU ASSIM


Jennifer Jones, 1919-2009. Brunettes have more fun.

ESTRANHOS QUE ENCONTRAMOS


Achei este livro nos saldos da BD Mania, livraria de Lisboa que visito muito menos vezes do que gostaria, por razões que facilmente se adivinham. Mesmo desconhecendo 95 por cento dos autores, a ideia atraiu-me imediatamente: um livro de histórias inventadas a partir de velhos postais – esses sim, verdadeiros, com selo e carimbo dos correios e letra manuscrita no verso. E, no entanto, a leitura foi algo decepcionante, não tanto pela qualidade gráfica, que não sei avaliar, mas pela tristeza sem redenção que atravessa as 16 histórias, quase sem excepções. Tristeza, luto, angústia, insanidade, desilusão, morbidez, indiferença, até o puro terror; um concentrado de digestão difícil. Confesso que não consegui ler mais do que dois ou três argumentos seguidos, com algum tempo de intervalo entre eles. Jason Rodriguez, o organizador do livro e responsável pela selecção dos autores, admite no posfácio que "tudo o que via nos postais era a morte". Tem graça. Também tenho um fascínio por velhos postais usados, mas procuro sempre neles a sugestão de uma vida muito mais promissora do que a minha. É fácil, de resto.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

DOIS PESSOAS



Um, aqui citado ontem, pertence à nova chancela da Kalandraka e tem a particularidade de ser ilustrado por Pedro Proença, ao fim de um "ano e meio em busca de uma solução satisfatória". O resultado foi "uma junção de métodos pessoais", sustentado "numa espécie de colagens geométricas feitas com papéis transparentes directamente no scanner de um modo aleatório. Ao mesmo tempo, recolhi detectivescamente desenhos de Fernando Pessoa, tipografias das suas primeiras edições, ou títulos e anúncios de revistas em que ele publicou." Espelhando o nome da colecção (Treze Luas), a antologia recolhe treze poemas de Fernando Pessoa e seus principais heterónimos – Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis –, segundo uma selecção pessoal da editora da Kalandraka, Margarida Noronha, e do próprio artista plástico.

Da Guerra & Paz surge outra recente antologia poética, desta vez cruzada pelo tema da viagem. Conceito e posfácio pertencem a Manuel S. Fonseca, que convocou "o empregado comercial Fernando Pessoa, o mestre Alberto Caeiro, os dois discípulos, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, e ainda o ajudante de guarda-livros Bernardo Soares" para integrarem uma associação secreta (e imaginária) de viajantes unida por um só lema: "Para que precisa de viajar com o corpo quem tão bem viaja com a alma!".

Álvaro de Campos, "o viajante dramático"; Alberto Caeiro, "viajante do lugar onde está"; Ricardo Reis, "o viajante imóvel"; e Fernando Pessoa, "viajante de si mesmo", eis os incansáveis globe-trotters que, diz ainda Manuel S. Fonseca, nenhuma actual agência de viagens aceitaria "e até para voos low cost seriam imprestáveis viajantes".

Da escolha do formato ao papel das guardas, duas edições feitas com esmero e em que se nota todo o amor aos livros, esses obscuros objectos de desejo sempre generosos ao tacto, o mais esquecido dos cinco sentidos.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

PESSOA POR PROENÇA



aqui tínhamos mencionado a Faktoria K de Livros, uma nova chancela da Kalandraka não exclusivamente dirigida ao leitor mais pequeno. Os primeiros livros – muito bonitos – chegaram há pouco pelo correio. A antologia poética de Fernando Pessoa ilustrada por Pedro Proença é um deles. Com treze poemas de um escritor português inicia-se assim a colecção Treze Luas, no seguimento do que já havia sido feito em galego e castelhano com Rosalia de Castro ou Gabriela Mistral. O livro será objecto de uma espécie de duplo lançamento na próxima sexta-feira, 18 de Dezembro. Primeiro pensámos que houvesse confusão nos convites, mas depois ficou tudo esclarecido. Não vamos poder ir ao Porto (snif), mas olhem só que programa:

- Sexta-feira, 18, às 18h30, na Livraria Papa-Livros (Rua D. Manuel II, Edifício Cristal Park), conversa sobre ilustração com Pedro Proença e Emílio Remelhe (aka Eugénio Roda).

- Sexta-feira, 18, às 21h45, na Livraria, Galeria de Arte e Café-Bar Labirintho (Rua Nossa Senhora de Fátima, 334), lançamento "oficial" do livro com Pedro Proença e leitura de poemas por José Carlos Tinoco.

Do resto da encomenda da Kalandraka daremos conta nos próximos dias...

PARABÉNS, ALICE


Ontem foi a Planeta Tangerina. Hoje, a festa é de Alice Vieira (está a ser um pouco difícil trabalhar assim...). Vamos aos detalhes:

"O Jardim de Inverno do Teatro Municipal de São Luiz, em Lisboa, será o palco da comemoração dos 30 anos de carreira da escritora Alice Vieira. A festa, que terá apresentação de Manuel Luís Goucha, está marcada para amanhã, quarta-feira, dia 16 de Dezembro, às 17h, e é uma iniciativa do grupo Leya, no qual se integram as quatro editoras com as quais a Alice Vieira edita os seus livros – a Caminho, a Oficina do Livro, a Texto e a Dom Quixote. Em preparação para o evento está um conjunto de intervenções de dezenas de amigos, colegas, escritores e editores de Alice Vieira, muitos dos quais subirão ao palco para momentos de poesia, leitura ou apenas de partilha de alguns episódios vividos com a escritora. Ana Margarida Ramos e José Tolentino Mendonça abordarão a obra da autora, enquanto o actor João d'Ávila lerá alguns textos. Intervirão também diversas personalidades do universo literário e editorial como José Jorge Letria, José Oliveira, Leonor Riscado, Leonor Xavier, Luísa Beltrão ou Mário Zambujal, entre muitos outros. Não faltarão, ainda, as crianças e algumas surpresas para a autora. A entrada é livre."

(Informação enviada pela editora.)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

ATÉ LOGO


Apesar do frio que faz lá fora, decidimos sair de casa. Direcção: Santos.

ASSIM NÃO DÁ


Alguém me explica onde se pode comprar em Lisboa o último número da Malasartes? Fnac, Bertrand e Bulhosa não têm a única revista portuguesa especializada em literatura infanto-juvenil - e na maior parte dos casos nem ouviram falar. É escusado procurá-la em quiosques e tabacarias. Não é discriminação para com "os livros de criancinhas", como diz a outra. Nas mesmas redes livreiras também ainda não está à venda a edição de Dezembro da Ler, que foi para as bancas há mais de uma semana. Estamos a dia 15. Não há compradores para as revistas literárias em Portugal? Pois não. Assim não.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

BURROS NO TOP


Até ver, é o picture book mais vendido este ano na Nova Zelândia: 77,720 exemplares, segundo o Beattie's Book Blog. Com texto e música de Craig Smith e ilustrações de Katz Cowley, The Wonky Donkey (Scholastic NZ) figura no top ten ao lado dos Dan Browns e das Stephenie Meyers. Chamem-lhe burro.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

CONTOS DE ENCANTAR


Uma colecção de contos de todo o mundo – populares e de autor – começou a ser publicada este ano pelo Círculo de Leitores, numa edição de luxo coordenada por Maria Nóvoa, que também assegura a maior parte das traduções. Lançada originalmente na Alemanha, em 2003, retoma a forte tradição dos contos estabelecida com o Romantismo, de que os Irmãos Grimm foram importantes mentores. Na adaptação para a edição portuguesa, Maria Nóvoa decidiu suprimir alguns contos cujos motivos se repetiam, sobretudo alemães, e substituí-los por contos tradicionais portugueses – procurando-os directamente nas colectâneas de Adolfo Coelho, Consiglieri Pedroso e Leite de Vasconcelos. Organizada em 12 volumes temáticos, não numerados (para poderem ser adquiridos individualmente), a colecção prolongar-se-á durante 2010, num exclusivo Círculo de Leitores. Eis os títulos: De Feiticeiros e Bruxas, De Fadas e Elfos, De Príncipes e Fidalgos, De Gigantes e Ogres, De Animais Bons e Maus, De Rapazes e Raparigas, De Amor e Desamor, De Animais Mágicos e Plantas Maravilhosas, De Sereias e Espíritos da Água, De Anões e Gnomos, De Monstros, Dragões e Cães do Inferno e De Imperadores, Reis e Califas.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

BABA YAGA, A TERRÍVEL


Fundada no Porto, na década de 1930, a Editora Educação Nacional cedo se vocacionou para o livro escolar, mas foram os álbuns de literatura para crianças em grande formato que a tornaram notada nos últimos dois ou três anos. Num catálogo restrito e criterioso, aparentemente indiferente à síndrome da bulimia editorial, sobressaem os títulos da dupla Taï-Marc Le Than/Rébecca Dautremer, escritor e ilustradora unidos para lá dos vínculos profissionais. Quem gostou de Cyrano, retrato inconvencional de Cyrano de Bergerac, vai provavelmente achar superlativo o novo Elvis, uma biografia ilustrada e muito livre de... é fácil adivinhar. A figura feminina na capa é só para confundir; Elvis só há um. Também de Taï-Marc Le Than e Rébecca Dautremer, saiu ao mesmo tempo Baba Yaga, uma história perversa à volta de uma personagem igualmente perversa, espécie de bruxa do folclore eslavo que há muitas gerações aterroriza os meninos que não querem comer a sopa. A ilustradora tem ainda outros trabalhos de grande qualidade – Apaixonados, Nasredin, Nasredin e o Seu Burro, Princesas Esquecidas ou Desconhecidas –, também já traduzidos pela Educação Nacional. Para a semana estreia-se em França o filme animado Kerity – La Maison des Contes, com desenhos de Rébecca Dautremer. Passará pelas nossas salas de cinema? Aqui fica uma pequeníssima amostra.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

CUESTA MUCHO SER AUTÉNTICA



"Me llaman la Agrado, porque toda mi vida solo he pretendido hacerle la vida agradable a los demás. Además de agradable, soy muy auténtica. Miren que cuerpo, todo hecho a medida: rasgado de ojos 80.000; nariz 200, tiradas a la basura porque un año después me la pusieron así de otro palizón... Ya sé que me da mucha personalidad, pero si llego a saberlo no me la toco. Tetas, 2, porque no soy ningún monstruo, 70 cada una pero estas las tengo ya súper amortizás. Silicona en labios, frente, pómulos, caderas y culo. El litro cuesta unas 100.000, así que echar las cuentas porque yo, ya las he perdio... Limadura de mandíbula 75.000; depilación definitiva en láser, porque la mujer también viene del mono, bueno, tanto o más que el hombre! 60.000 por sesión. Depende de lo barbuda que una sea lo normal es de 2 a 4 sesiones, pero si eres folclórica, necesitas más claro... bueno, lo que les estaba diciendo, que cuesta mucho ser auténtica, señora, y en estas cosas no hay que ser rácana, porque una es más auténtica cuanto más se parece a lo que ha soñado de si misma."

(monólogo de Agrado/Antonia San Juan no filme Todo Sobre Mi Madre, de Pedro Almódovar)

domingo, 6 de dezembro de 2009

COMBOIO DE LIVROS



Aqui há tempos zanguei-me com uma campanha de promoção da leitura realizada pelo New Zealand Book Council que dissecava a literatura em retalhos power-point. Há quem goste e há quem não goste. É um direito; só quem pensa pela sua cabeça conquista o amor dos livros. Pelas mesmíssimas razões, ainda que nos antípodas, adorei esta campanha com animação em papel recortado, também do NZBC, cujo mote é "Where books come to life". Comovente e muito bem feita, é o mínimo que se pode dizer. Mais informações sobre o autor do texto, o escritor Maurice Gee, podem ser lidas aqui.

(Ah, o link foi enviado por uma colega do curso de Pós-Graduação em Livro Infantil, a designer Helena Gonçalves, com quem o ano passado – lectivo – me cruzei também no blogue quase homónimo.)

AINDA HÁ LUGARES?


Não sabemos. Um curso de escrita criativa com Alice Vieira não acontece todos os dias. Este vai ser de 11 de Janeiro a 10 de Fevereiro de 2010, às segundas e quartas, entre as 18h30 e as 20h30. As inscrições estão abertas até ao dia 19 de Dezembro e fazem-se através do telefone 214 272 294 ou pelo e-mail igarcez@caminho.leya.com (contacto: Isabel Garcez). Já agora, lembramos que a sessão comemorativa dos 30 anos de carreira de Alice Vieira, um dos highlights de 2009 no campo da literatura infanto-juvenil, está marcada para o Jardim de Inverno do Teatro S. Luiz, em Lisboa, dia 16 de Dezembro, às 17h00. Apostamos que não vão faltar fãs. Como nós, por exemplo.

sábado, 5 de dezembro de 2009

WITTGENSTEIN, MON AMOUR

"As palavras do filósofo que queria ser lido lentamente ainda hoje rangem no sótão do nosso espírito." A Namorada de Wittgenstein explica neste belo texto as razões de uma paixão antiga.

A FABULOSA CIÊNCIA DOS MONSTROS


Monstrologia
Texto e projecto gráfico de Templar Company
Vários ilustradores
Tradução de Manuel Ruas
Livros Horizonte

O livro começa nas guardas, onde se colou um pequeno envelope fechado com destinatário à vista: “Para uns raros espíritos intrépidos”. Quantos leitores se poderão gabar deste traço de carácter próprio dos exploradores e aventureiros de outrora? Especialmente para eles, o Dr. Ernest Drake (n. 1822) legou um estudo pormenorizado em “Monstrologia”, ciência que consiste “no estudo dos muitos animais supostamente míticos que não são dragões”. Em terra, na água ou no ar, há mais de 60 mil espécies de animais fabulosos em todo o mundo; e se alguns “são, de facto, fictícios”, já “o unicórnio é uma realidade”. Será? Escrito com elegância e charme retro, Monstrologia é uma fantasia dentro da fantasia, ilustrada por uma série de virtuosos e assinada por autor não identificado (mas o pseudónimo Ernest Drake fica-lhe bem). Os pormenores tridimensionais – a imitar crina de unicórnio ou cinzas de ninho de Fénix – são deliciosos. Da Livros Horizonte, “editores de livros raros e invulgares”, leiam-se também Dragonologia, Egiptologia, Piratologia, Mitologia e Magologia, todos na mesma colecção.

(Texto publicado na LER nº 86)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

LUÍSA COSTA GOMES: "É TÃO SIMPLES PERCEBER O QUE É UM LIVRO BOM"


Em entrevista à Notícias Magazine deste domingo, Luísa Costa Gomes fala do último livro, Ilusão (Ou o Que Quiserem), da sua experiência como escritora e professora, dos hábitos de leitura, de Portugal e dos portugueses, da vida e do mundo em geral. Certeira e lúcida, as usual. Gostaria de ter publicado este post ontem, mas só há pouco consegui o texto em word. Aqui ficam alguns excertos. A entrevista foi conduzida por Elisabete Pato.

[Sobre o último livro:]

NM: Ela é professora. São marido e mulher.
LCG: Eles são casados e vivem juntos há 12 anos. Estão a tentar sobreviver à relação, que está deprimida. Ela acaba por ter um search pedagógico, que a leva a sair de casa e ser mais professora, estar mais próxima dos alunos. É um livro sobre a mentira e sobre a falsificação da realidade. Toda a gente mente. Toda a gente está sempre a dizer coisas numa linguagem mágica em que se julga que por se dizer as coisas, elas ficam resolvidas. Há de facto todo um investimento na linguagem como sistema mágico de transformação da realidade. É isso que satirizo no romance e que, profundamente, me diverte.

[Sobre a escola e os alunos:]

NM: Qual é maior riqueza em dar aulas?
LCG: É o contacto com os alunos. Os miúdos são normalmente interessantes. Para mim, as crianças são pessoas interessantes.

NM: Porque ainda estão, digamos, "em bruto"?
LCG: Não sei porquê. Por exemplo, são muito mais interessantes do que os adolescentes. As crianças ainda não estão massificadas, ainda não têm a imaginação formatada. Para mim é muito deprimente ouvir contar a mesma historia uma vez e outra e outra. Os adolescentes não só não têm imaginação como não sabem o que é ter imaginação. Não há sequer o sentimento de uma falta. O que é importante é o formato. É ser igual a toda a gente, é pertencer a um grupo, a um clã. E as crianças ainda têm criatividade.

NM: É fácil combater com estórias literárias as novas tecnologias e o facto de as crianças verem mais televisão e mais cedo?
LCG: Sim, é. Não é nada difícil pôr uma criança a ler ou a discutir o livro de uma maneira interessante e original. Há, sobretudo, entusiasmo nas crianças. É o que me dá alegria de viver. A curiosidade e aquela efervescência....

[Sobre a leitura e os livros:]

NM: Os portugueses são muitas vezes acusados de falta de hábitos de leitura. Como é que olha para isso?
LCG: É um problema complexo. Nós passámos do analfabetismo para uma fase de iliteracia. Tínhamos uma população completamente analfabeta, ninguém lia. Lembro-me que em 1975 a média de leituras era de um livro por pessoa, por ano, e isso acho que mudou. As pessoas lêem muito mais, mas maus livros, que não interessa ler. Isto é politicamente incorrecto dizer. Tenho tido muitas discussões com professores e responsáveis, que consideram que o que é importante é ler, o que quer que seja. Na minha opinião, isso é uma perversão da leitura porque, provavelmente, as pessoas pensam que estão a ler e não estão. Estão a ver televisão, Quando uma pessoa está a ler O Código Da Vinci, está de facto a ver televisão. A leitura implica alguma actividade, algum esforço. Isto é muito impopular dizer, mas é a minha opinião. Penso que o leitor faz-se primeiro com alguma indiscriminação. Quando era miúda também lia tudo o que me passava à frente e depois fui percebendo o que é que era bom. Agora, e isto é provavelmente uma grande arrogância, sou completamente incapaz de ler um livro mau.

NM: O que é um livro bom, para si?
LCG: Almas Mortas [1842], de [Nikolai] Gogol; A Cidade e as Serras [1901], de Eça de Queiroz, por exemplo. É tão simples perceber o que é um livro bom. É um livro extremamente bem escrito, importante, influente, que fez uma época, marcou pessoas de uma forma esteticamente fecunda. Não é um livro que é feito industrialmente, segundo um formato, igual aos outros todos.

[Sobre a vida portuguesa:]

NM: Sente-se bem a viver em Portugal?
LCG: Muito bem. Adoro viver aqui e sempre que vou ao estrangeiro, no regresso agradeço a Deus ter-me feito nascer aqui. É um país que tem tudo o que eu acho importante: paz, silêncio, mar, muitas praias maravilhosas, um clima extraordinário, com pessoas que não são ainda impelidas pelo trabalho, pelo ganhar dinheiro. Estamos a caminhar para lá, mas ainda não estamos completamente civilizados.

NM: Apesar de muitas vezes os portugueses serem conotados com a tristeza, a melancolia ...
LCG: Não acho, pelo contrário. Hoje em dia, não sei se é dos anti-depressivos ou dos brasileiros, estamos muito mais alegres. Acho que deixou de haver uma caução social sobre a tristeza. Nós já não temos paciência para as pessoas que se queixam permanentemente, que estão muito tristes. Isso é curioso porque criou uma culpabilização em relação à tristeza. As pessoas hoje em dia não conseguem estar tristes porque toda a gente está sempre com um pensamento muito positivo e isso obriga as pessoas a serem positivas. Há uma indústria do optimismo e do pensamento positivo que é ela própria muito deprimente.

NM: Identifica-se com a política portuguesa ou não lhe liga?
LCG: Ligo muito pouco. Sou muito egoísta nesse ponto. Ligo às pessoas que estão à minha volta, ao meu bairro, se for precisa alguma coisa podem contar comigo. Em relação às coisas gerais, sou muito egoísta. Tenho pouco tempo. Vivo muito envolvida com aquilo que estou a fazer, quer dizer, só consigo trabalhar e escrever quando estou completamente obcecada e envolvida. Não consigo estar a fazer uma manifestação e ao mesmo tempo a escrever. O meu trabalho não me isola, mas é aquilo que é importante para mim.

domingo, 29 de novembro de 2009

O CAMALEÃO


Olha, olha bem para ele.
Em primeiro lugar, a pele,
que na perfeição copia
as cores todas do dia.

Depois... parece que avança,
finge que vai e não vai,
e o seu corpo balança,
um tanto em jeito de dança,
um tanto "cai e não cai".

E os olhos? Fazem inveja.
À sua frente, ao lado, atrás,
nada passa que ele não veja.
Não sei de quem disto seja,
mesmo em sonhos, capaz.

Mas nunca a pele cambiante,
o passo lento, farsante
e o olhar movediço
lhe fariam grande serviço
e o livrariam da míngua
se, shluuup, não fosse a língua.

"Olha, olha, um gafanhoto."
Shluuup, lá foi, já está no goto.

(um poema de Raul Malaquias Marques, do livro De Sol a Sonho, Caminho, 2009)

sábado, 28 de novembro de 2009

ILUSTRARTE 09


Na próxima quarta-feira, 2 de Dezembro, no Museu da Electricidade, o júri do Ilustrarte revela os 50 eleitos entre mais de 1000 candidaturas. É claro que vamos estar lá.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A MÁQUINA DE ESCREVER DE MARK TWAIN


É uma verdade absolutamente reconhecida que o primeiro escritor a dactilografar um romance foi Mark Twain. Errado, diz John Sutherland. O professor universitário, crítico literário e autor de livros como Is Heathcliff a Murderer? e Can Jane Eyre be Happy? explica porquê em Curiosities of Literature.

O que tem em comum o poema épico Beowulf com Carrie, de Stephen King, e o que aproxima esses títulos de A Revolução Francesa, de Thomas Carlyle, e Stephen Hero, de James Joyce? Representam os gostos eclécticos de um leitor? Não exactamente. A resposta certa é: o facto de todos terem passado pela iminência da destruição – no caso de Carlyle, sem lhe conseguir escapar. Se não houvesse duas mulheres atentas, por fé ou desespero, os textos originais de Carrie e Stephen Hero teriam conhecido um fim mais doloroso do que o estado mental de quem os engendrou. E se o manuscrito de Beowulf se salvou das chamas in extremis, sobrevivendo apenas com os cantos chamuscados, já as primeiras 260 páginas da empreitada de Carlyle não tiveram a mesma sorte, servindo de material ardente em casa do amigo John Stuart Mill. Por descuido, acrescente-se. Uma compensação de cem libras e um novo stock de papel ajudaram a que A Revolução Francesa se reerguesse das cinzas.

A relevância desta e de tantas outras informações prende-se com a curiosidade que se possa ter por uma visão dessacralizada da literatura; e também com a atracção por um certo tipo de conhecimento disperso, fragmentado e mais ou menos aleatório. Reunidas as condições, o gosto pelo saber enciclopédico e algum espírito de coleccionador garantem, à partida, a leitura grata de um livro que foi procurar o seu mais directo antecedente ao século XVIII. Em 1791, Isaac D’Israeli, pai do futuro primeiro-ministro inglês, publicava o primeiro volume de Curiosities of Literature, uma colectânea de pequenos textos agregados pela erudição literária e por um humor discreto e saborosamente irónico. John Sutherland cita-o directamente, trazendo um aggiornamento à tradição.

D’Israeli nomeou obras como o Inferno de Dante, a Utopia de Thomas More ou As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, para ilustrar casos em que fantasias alegóricas foram entendidas como realidades de um mundo tangível. «A simplicidade da época» explica a ingenuidade dos leitores, segundo D’Israeli. Contudo, em 1997, lembra Sutherland, conceituados críticos literários norte-americanos tomaram como verídicos os anexos e a bibliografia do romance O Fardo do Amor, de Ian McEwan, em que este justifica o comportamento obsessivo da sua personagem com as opiniões científicas de uns tais Wenn & Camia, alegadamente reproduzidas da British Review of Psychiatry. Os críticos assinalaram a «insuficiente imaginação» de Ian McEwan – ou seja, dos próprios Wenn & Camia, depois de repostas as letras na sua forma original – e levaram à letra as intenções de um anagrama.

What’s in a name?, perguntou Shakespeare. Aquele a quem chamamos David Herbert Lawrence poderá ser o mesmo que escreveu O Amante de Lady Chatterley? Sutherland, um inglês na América, confessa a sua dificuldade em explicar aos alunos de literatura as regras e convenções que presidem à citação dos autores. Mais etiqueta, menos wikipedia, talvez. «Os títulos honorários são um desafio terrível», diz: «Por que é que ‘Sir Stephen Spender’ é abreviado para ‘Sir Stephen’ e não ‘Sir Spender’, enquanto ‘Lord Byron’ nunca é ‘Lord Gordon’?». A questão dos nomes reaparece ao longo dos 12 capítulos do livro, que começa com curiosidades à volta da comida e termina, naturalmente, com o tema da morte. Pelo meio, surgem os cigarros Du Maurier, a máquina de escrever de Nietzsche e o manuscrito recuperado do túmulo por Rossetti. Da aparição do primeiro caldo Knorr na literatura, com E.M. Forster, ao efeito Werther, o best-seller que foi também um best-killer (dois mil suicídios de leitores de Goethe), há aqui alimento bastante para bibliófilos convictos. Ou apenas leitores curiosos.

(Curiosities of Literature, John Sutherland, Random House Books)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

COMO CONTAR HISTÓRIAS


No próximo sábado, 28 de Novembro, a contadora de histórias Elsa Serra desvenda algumas das técnicas do métier junto de um grupo de 15 participantes. Professores, educadores, técnicos de bibliotecas, animadores, pais e mediadores de leitura constituem o público-alvo, numa acção que decorrerá das 14h00 às 17h00, na Casinha de Porta Azul, ao Miradouro de Santra Luzia, em Lisboa. O ateliê custa 20 euros. Mais informações no blogue Alfinete de Dama.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

AGENDA DO DESCONCERTO


"O desconcerto do mundo começa pelo que vai ficando por consertar. Uma torneira que pinga, uma porta que descai, uma gaveta que empena. Há os desconcertos tranquilos, com os quais podemos conviver meses inteiros sem perder horas de sono, e há os outros, mais agudos, que nos desarrumam as ideias e contribuem devagarinho para o nosso desconcerto interior, o mais terrível de todos, para o qual não há parafusos, arrebites, bananas ou batoques que nos valham. O problema é que manter o mundo a funcionar dá muito trabalho."

A Agenda 2010 da Planeta Tangerina vem mesmo a calhar, numa altura em que este jardim precisa de descer à terra. A casa Rufino & Filhos – drogaria, ferragens e bricolage – tem soluções para tudo (desde 1948). Basta folhear as páginas de Janeiro a Dezembro e procurar no vocabulário poético-utilitário o remédio para o nosso desconcerto momentâneo. Vejamos: uma fita anti-derrapante ou um sargento esquina? Uma vassoura de ripa-pau ou um pé de cabra? Um martelo de orelhas ou um fio do norte? Se nada funcionar, atente-se no conselho do Sr. Rufino: "Mais trabalho, menos conversa." Resulta sempre.

Ver no blogue da Planeta Tangerina.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

MUSEU DAS HISTÓRIAS

Se a campanha de angariação de fundos continuar assim, um museu das histórias poderá nascer em Oxford, no ano 2014. Uma boa notícia só agora apanhada no Cadeirão Voltaire.

1O1 BLOGUES SOBRE LIVROS

Quais são os melhores 101 blogues sobre livros? A lista possível aqui. Via Beattie's Book Blog.

DEPOIS DA TEMPESTADE VEM A TEMPERANÇA

Dez dias no Alentejo causaram efeitos inesperados n'O Jardim Assombrado, visíveis na irregularidade e ausência de posts durante a última semana. Nada de admirar. Embora goste de cultivar a disciplina dos canteiros, este jardim é permeável às forças da Natureza, estranhamente ingovernáveis.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

DOURO VINTAGE



Depois das duas últimas incursões ao Douro, entre a Régua e Vila Nova de Foz Côa, o jardineiro honorário deste blogue assinou a produção caseira que está desde ontem em cena no You Tube.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

APRENDER COM MANAWEE


O texto sobre a presença dos animais na literatura infantil, originalmente publicado na Notícias Magazine, pode agora ser lido no site da Casa da Leitura. Aqui.

O MEU PRIMEIRO MIGUEL TORGA


"Miguel Torga (1907-1995) foi um admirável escritor da literatura portuguesa, com uma maneira única de contar, de falar de si e de captar, em verso e em prosa, os pequenos e grandes momentos da vida. E a sua foi uma vida invulgar. Neste livro, a escrita de João Pedro Mésseder e as imagens de Inês Oliveira dão a conhecer o fascínio que Torga sentia pelas palavras, pelo país, pelos bichos, pelas crianças e pelos seus semelhantes. E também pelo "reino maravilhoso" onde nasceu."

Com texto de João Pedro Mésseder e ilustrações de Inês Oliveira, O Meu Primeiro Miguel Torga vem juntar-se à colecção da Dom Quixote iniciada em 2005. Quem morar na zona do Porto está mais perto de ir ver a mostra de ilustração da autora, patente na livraria Papa-Livros (Rua D. Manuel II) de segunda a sábado, das 10h00 às 19h00. Até 6 de Dezembro.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

CITY-BREAKS: ALENTEJO


O Jardim Assombrado vai mudar de ares e apanhar as folhas do Outono. Regressa no dia 16 de Novembro. Até lá!
(Fotografia de Guto Ferreira.)

FOI HÁ 25 ANOS


“Os grupos Táxi e Jáfumega não gravaram nenhum disco este ano, já que segundo António Pinho, responsável pelo sector nacional da gravadora das bandas, elas consideravam que não tinham «hit» para editar. Assim, Táxi e os Jáfumega não viram concretizados para vinil nenhum dos temas novos, muitos deles apresentados este ano em concertos ao vivo. As duas bandas foram as grandes ausências do mercado discográfico português de 1984.”

Notícia publicada no primeiro número do jornal Blitz, faz hoje precisamente 25 anos. Guardo-o religiosamente e acompanha-me a cada mudança de casa, apesar de já muito velhinho. Em formato de revista desde há uns anos, a edição especial de Novembro (nunca me habituei a dizer “a Blitz”) está aí nas bancas. Vale sempre a pena reconhecer a nossa história. E prestar-lhe homenagem.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

NOVOS EPISÓDIOS DA LUTA DE CLASSES


O Pato Camponês
Martin Waddell
Ilustrações de Helen Oxenbury
Caminho

Continuam a sair novos títulos da colecção Borboletras, objectos de capa mole e qualidade à prova de bala, para combater a ideia de que os livros para crianças “são muito caros”. De Martin Waddell, escritor da Irlanda do Norte contemplado com o Prémio Hans Christian Andersen de 2004, O Pato Camponês é uma interpretação da luta de classes superiormente ilustrada pelas aguarelas de Helen Oxenbury, a mesma de Vamos à Caça do Urso (Caminho, 2004). Aqui se conta como, graças a um plano bem bolado, os animais de uma quinta em decadência conseguem correr com o seu imprestável dono, acabando com a exploração do pato que é pau para toda a obra. Se as cores também se revoltam, passando dos tons lúgubres à luminosidade, o delinear da estratégia é um dos momentos altos de um texto que nunca perde o ritmo, e Martin Waddell economiza palavras com um golpe de génio: “– Muu!, disse a vaca. – Méé!, disseram as ovelhas! – Cácárácá!, disseram as galinhas. E esse é que era o plano.” E funcionou.

(Texto publicado na LER nº 85)

SOBRE CÃES E GATOS


Muito dinheiro público seria poupado em ansiolíticos e antidepressivos se toda a gente tivesse um casa com jardim e um animal ao seu lado. Viver amontoado em apartamentos não dá saúde a ninguém, é certo e sabido. Como poucos têm a sorte de morar no campo – com qualidade de vida – ou de passar os fins-de-semana em turismos rurais, ter um gato ou um cão ainda representa a possibilidade mais imediata de ligação à Natureza, sem a qual me parece difícil funcionar com o mínimo de serenidade e, ocasionalmente, ser feliz. Talvez isto seja “conversa da treta” para muita gente, mas para mim é uma questão de convicção e de valores. Valores fortes. Acredito que o estudo da vida emocional dos animais e do seu impacto nos seres humanos ainda nos trará conclusões a que já deveríamos ter chegado, intuitivamente; e este livro, Wild Justice: The Moral Lives of Animals (via Bomba Inteligente), é mais uma contribuição. Relevante é também o doutoramento de Isabel Marques, que analisou o papel dos animais em contexto terapêutico junto de casos de esquizofrenia, psicoses e outros distúrbios graves. Sobre este assunto, saiu uma reportagem no Público de segunda-feira que ainda pode ser lida aqui. Para outro género de leituras, sugiro um livro que reúne o pensamento de Eckhart Tolle e os desenhos Patrick McDonnell, o autor da BD Mutts, intitulado Guardiões do Ser (ed. Pergaminho). Não é para crianças nem para adolescentes nem para adultos – é para todos. É para quem entenda, ou queira entender, que a Natureza e os animais têm muito para nos ensinar sobre nós mesmos e sobre os outros. Se isso não é importante, então não sei o que é importante. Talvez discutir a cuspidela da Maitê Proença, sei lá.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

AUTOBIOGRAFIA IMAGINÁRIA


"Nasci quando os meus pais já não se amavam. Cristina, a minha irmã mais velha, era nessa altura uma rapariguinha altiva, cujo simples olhar me tornava culpada de qualquer misteriosa ofensa contra a sua pessoa, que nunca consegui decifrar. Quanto aos meus irmãos Jerónimo e Fabián, gémeos e cheios de acne, não me ligavam nenhuma. De forma que os primeiros anos da minha vida foram bastante solitários. Uma das minhas mais antigas recordações remonta à noite em que vi correr o Unicórnio que vivia emoldurado na reprodução de uma famosa tapeçaria. Com assombrosa nitidez, vi-o começar a correr e desaparecer por um canto da moldura para reaparecer de imediato e retomar o seu lugar: lindo, branquíssimo e enigmático. Nunca soube por que razão o Unicórnio tentara fugir do quadro e isso intrigou-me durante muito tempo, e até me atemorizou um pouco. Por aqueles dias eu não devia ter mais de cinco anos – talvez apenas quatro –, mas essa recordação tem um lugar relevante entre as primeiras da minha vida. Às vezes, as recordações parecem-se com alguns objectos, aparentemente inúteis, pelos quais sentimos um confuso apego. Sem saber muito bem por que razão, não nos decidimos a deitá-los fora e acabam por se amontoar no fundo dessa gaveta que evitamos abrir, como se lá fôssemos encontrar alguma coisa que não desejamos, ou inclusive tememos vagamente."

(Excerto do primeiro capítulo do livro Paraíso Inabitado, de Ana María Matute, nome grande das letras espanholas que também deixou uma marca indelével na literatura para crianças. Uma edição Planeta.)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O GALO CANTA DE GALO


Canta o Galo Gordo – Poemas e Canções Para Todo o Ano, de Inês Pupo e Gonçalo Pratas (ed. Caminho), ganhou o prémio de Melhor Ilustração para Livro Infantil no último Amadora BD, em que também estavam nomeados Bernardo Carvalho (As Duas Estradas), Peter Newell (O Livro Inclinado), Luís Henriques (Sabes, Maria, o Pai Natal não Existe), Korky Paul (O Tapete Voador da Mimi) e Susanne Janssen (A Incrível História da Menina Pássaro e do Menino Terrível). O mérito vai para Cristina Sampaio, uma das mais reconhecidas ilustradoras e cartonistas portuguesas. Mais pormenores biográficos na informação enviada pela editora:

"Cristina Sampaio nasceu em Lisboa. Em 1985 licenciou-se em pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Ilustra livros infantis desde 1987 e trabalha desde 1986 como ilustradora e cartonista para diversas revistas e jornais em Portugal e no estrangeiro (entre outros, Público, Expresso e Diário de Notícias, em Portugal; Courrier International, em França; Boston Globe, Wall Street Journal e New York Times, nos EUA.) Trabalhou em cenografia, multimédia e animação. As suas ilustrações foram apresentadas em várias exposições colectivas e individuais, em Portugal, no Brasil, na Alemanha, França, República Checa e Grécia. Em 2002 e em 2005 foi-lhe atribuído pela Society of News Design (EUA) o Award of Exellence. Em 2006 recebeu o Prémio Stuart de Desenho de Imprensa na categoria de Cartoon/Caricatura. Em 2007 foi-lhe atribuído o 1.º Prémio na categoria de cartoon editorial do World Press Cartoon."

20 ANOS EM 90 MINUTOS


Qual é o cúmulo da gula intelectual? Devorar em 90 minutos aquilo que pode saborear em 20 anos. De Henrik Lange, está aí a chegar 90 Livros Clássicos Para Pessoas com Pressa (ed. Presença). “Em quatro vinhetas, contamos-lhe toda a história, uma espécie de romance destilado, para que consiga ler 90 livros numa hora.” Eis alguns da lista:

A Bíblia
Admirável Mundo Novo
, 1932, Aldous Huxley
Cidade de Vidro, 1987, Paul Auster
Drácula, 1897, Bram Stoker
Rambo, 1972, David Morrell
The Golden Notebook, 1962, Doris Lessing
O Grande Gatsby, 1925, F. Scott Fitzgerald
As Viagens de Gulliver, 1726, Jonathan Swift
À Boleia pela Galáxia, 1979, Douglas Adams
Cem Anos de Solidão, 1967, Gabriel Garcia Marquez
Em Busca do Tempo Perdido, 1913-1927, Marcel Proust
O Perfume: História de Um Assassino, 1985, Patrick Süskind
Cemitério das Mascotes, 1983, Stephen King
A Sombra do Vento, 2001, Carlos Ruiz Zafón
O Código Da Vinci, 2003, Dan Brown
O Senhor dos Anéis, 1954 e 1955, J.R.R: Tolkien
O Processo, 1925, Franz Kafka
Crime e Castigo, 1866, Fiódor Dostoiévski
Dom Quixote de La Mancha, 1605, Miguel de Cervantes
Orgulho e Preconceito, 1813, Jane Austen
O Alquimista, 1988, Paulo Coelho

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

... DA FRENTE


Por causa do António Sérgio, subi ao sótão para procurar um velho fanzine dos anos 80, o …Da Frente, escrito e editado pelo João Reis (que depois se tornou actor), com a colaboração de mais alguns indefectíveis melómanos. Esta é a capa do nº 4, com data de Abril-Maio de 1985. Lá dentro, dactilografados numa letrinha minúscula, havia poemas de produção caseira e artigos sobre os GNR, Cocteau Twins, This Mortal Coil, The Smiths, Ezra Pound e a Loucura, Leonard Cohen, Tones on Tail, Bauhaus, Tom Waits, Julian Cope, Echo & The Bunnymen e Rita Mitsouko. O …Da Frente vendia-se, entre outros locais, na Livraria Castil do Centro Comercial Alvalade, em Lisboa, e na Discoteca Tubitek, no Porto. Custava 40 Escudos. Tudo isto fez parte do meu crescimento e tudo isto me continua a assombrar, tal como a voz do António Sérgio, desde ontem. Esta canção é para ele.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

KALANDRAKA COM NOVA CHANCELA: FAKTORIA K


Não é exactamente “nova”, porque em Abril já tinha saído um livro com o logótipo da Faktoría K de Libros: Nascer – Animais Extraordinários, de Xulio Gutiérrez e Nicolás Fernández, que pode ser visto aqui. Agora adaptada para português, a Faktoria K envereda por “uma linha editorial um pouco diferente da da Kalandraka e nem sempre direccionada para o público infanto-juvenil”, disse-nos a editora Margarida Noronha. Em breve, serão publicados dois novos títulos: Todas as Respostas às Perguntas que Nunca te Fizeste e Mais Respostas às Perguntas que Nunca te Fizeste, ambos de Philippe Nessmann (texto) e Natalie Choux (ilustrações). Ainda segundo Margarida Noronha, que aposta numa crescente portugalização da editora galega com sede em Matosinhos, estes títulos “destinam-se a crianças com mais de 7 anos e até, sensivelmente, 12 anos, constituindo uma espécie de livro dos porquês”.

Para já, está aí a chegar o muito esperado Onde Vivem os Monstros, de Maurice Sendak – nas livrarias a partir de 13 de Novembro, nos cinemas a 26 do mesmo mês. Até ao Natal, a Kalandraka publicará ainda três novos picture books: Um Bicho Estranho, de Mon Daporta e Óscar Villán; Mago Goma, de Toño Núñez e Adrià Fruitós; e ainda Um Grande Sonho, de Filipe Ugalde, obra vencedora do II Prémio Internacional Compostela para álbuns ilustrados.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

PICTURE BOOKS: MAIS DO QUE LIVROS COM IMAGENS

Não há muito tempo, tive o desprazer de ouvir uma conhecida autora e ilustradora referindo-se em público a «esses livros com pouco texto» com um desdém notável. «Livros com pouco texto» são aqueles que se escrevem «enquanto se lava a louça», para dar o seu próprio exemplo – a não seguir. Em bom rigor, teremos de lhes chamar picture books ou álbuns, consoante se prefira a terminologia da escola anglófona ou francófona. Opto pela primeira, por razões geracionais e não só.

É verdade que os picture books, ou picture story books, têm pouco texto ou até nenhum texto. A brevidade faz parte da sua natureza, à semelhança dos aforismos e ao contrário das epopeias. Nada a fazer a esse respeito. Com muito texto, é provável que entrem na categoria de livros ilustrados, mas não de picture books. Não sendo as fronteiras entre uns e outros totalmente estanques nem isentas de controvérsia, há um critério fundador a ter em conta: os picture books distinguem-se pela relação sempre indissociável entre texto e ilustração, assentando normalmente num esquema de leitura de página dupla (double-page spread), marcado pela tensão dramática e pela expectativa em relação ao que vem a seguir.

Um bom picture book não mostra tudo; antes sugere e provoca inferências de significado, estimulando a capacidade de interpretação da criança e de qualquer leitor. Mais do que uma relação forte, palavras e imagens desenvolvem uma relação de forças, no sentido em que se gera uma tensão criativa entre as duas linguagens, longe da mera função complementar do livro ilustrado tradicional. Em vez de se limitar a reproduzir em imagens o que já é dito por palavras, um bom picture book acrescenta informação ao texto, podendo mesmo subvertê-lo com a inclusão de efeitos irónicos, ambíguos ou incongruentes. Quando escritor e ilustrador se libertam do ego e do complexo competitivo, esta tensão criativa costuma dar origem a livros admiráveis. O mesmo vale quando escritor e ilustrador são um só, sendo neste caso a competição mais fácil de gerir. Last but not least, o design, o grafismo e a concepção editorial contribuem para o enriquecimento do que pode ser uma obra de arte global, talvez a primeira a que a criança tem acesso fácil.

Peter Hunt, professor da Universidade de Cardiff e um nome de referência nestas matérias, considera que o picture book será o único contributo – genuíno e original – da literatura infantil para o campo literário em geral. Seria bom ver mais editores portugueses a interessarem-se por este amplo mercado, ainda muito preenchido por traduções de qualidade oscilante. E também escritores, ilustradores e designers gráficos ou directores de arte, já que todos têm um papel determinante no conjunto do processo criativo. Ainda há um juízo de valor implícito na apreciação dos picture books, como se os livros ilustrados não pudessem ser também literatura. Como se um escritor de livros para crianças provasse o seu talento seguindo o ritmo do contador de caracteres. Convenhamos: se escrever pouco e bem fosse fácil, os melhores publicitários não seriam tão generosamente remunerados. Grandes ideias podem surgir «enquanto se lava a louça», mas fazer um bom picture book dá mais trabalho do que parece.

(Texto publicado ontem na secção de «Opinião» do Blogtailors.)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

MAIS DIAS COM ÁRVORES

Por causa de um comentário deixado neste post, fiquei a saber do regresso – após um ano em pousio – do blogue Dias Com Árvores. Obrigada ao Paulo, à Manuela e à Maria por continuarem esta obra admirável (e acho que não é exagerado dizer isto). Agora desculpem, que tenho muita leitura para pôr em dia.

I MISS MY HERMES, BABY


Quando quero matar saudades da minha primeira máquina de escrever, procuro A Namorada de Wittgenstein. Também tive uma assim, “igualita, igualita, igualita, igualita, igualita”, como se diz num filme do Almodóvar. Era do meu pai, a mesma máquina em que ele escreveu centenas de poemas, antes de os queimar um a um, com medo de parecer sei lá o quê. Uma Hermes Baby dos anos 1960, verde-água, aquele verde igual a uns certos comprimidos que faziam pensar depressa, fumar muito e acordar no dia seguinte a ranger os dentes, na ressaca de uma genialidade ilusória. Desse tempo, só tenho um monte de folhas amarelecidas, dactilografadas a um espaço, com títulos parvos e pomposos como “Formalização e idealização da realidade poética em Baudelaire” (efeito dos comprimidos), cheios de baboseiras académicas que não me atrevo a reler. Não sei o que foi feito dela, dessa Hermes Baby. Um dia mudei de casa e deixei para trás uma arca cheia de coisas preciosas, mas esqueci-me de a fechar a chave, até porque não havia chave. Foi o bastante para “facilitar o extravio”, como se diria em linguagem alfandegária. Perdi-a, em boa verdade; ou deixei que a perdessem, o que vai dar no mesmo. Pagava para ter de volta a minha Hermes Baby, se a culpa tivesse preço. Não tem. O melhor que consigo fazer é olhar para este blogue e imaginá-la em boas mãos. É que nunca se sabe as voltas que os extravios dão até se completarem.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

OS MONSTROS CHEGARAM


Finalmente editado em Portugal, 46 anos depois. É quase o tempo de uma ditadura. Ver aqui e clicar nas "Novidades".

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

TRILOGIA SAGRADA




Há algum tempo, o Márcio Almeida Jr., do blogue brasileiro Viver e Contar, pediu-me que elegesse os três melhores livros da história da literatura infantil. Aceitei, sabendo de antemão tratar-se de uma tarefa ingrata, inglória, impossível – e essencialmente pessoal. Where the Wild Things Are, o livro de Maurice Sendak que deu origem ao filme prestes a estrear-se nas salas de cinema, foi uma dessas escolhas. Os senhores que o acompanham não lhe ficam atrás.

1. Peter Pan, J. M. Barrie (1911)

«Um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer», escreveu Italo Calvino em Porquê Ler os Clássicos? Quase um século depois da passagem do palco para o romance, Peter Pan continua a questionar as nossas noções comuns do bem e do mal, do certo e do errado, da verdade e da mentira. A ambiguidade serve-lhe de ampla matéria literária, moldada entre a luz e as sombras. A Terra do Nunca, com os seus índios, piratas, sereias e fadas – e os seus meninos tão livres e tão perdidos – é uma das fantasias mais consistentes de sempre. E se Gancho é um vilão nobre e melancólico que porventura apetece consolar, Peter Pan pode ser amado justamente pelas razões contrárias. Herói excessivo, egocêntrico, inconveniente, ingrato e egoísta – como todas as crianças –, ele representa a nossa reserva amoral de compreensão. O que nele podemos detestar é algo que em nós já se perdeu há muito. Daí a mágoa, daí a sedução.


2. Where the Wild Things Are, Maurice Sendak (1963)

Where the Wild Things Are é um título revolucionário de um autor que continua a ser alvo de controvérsia e censura. Publicado numa época de mudança de mentalidades, tem da criança uma visão que nunca é redutora ou infantilizante, antes emocionalmente complexa e plena de potencialidades. Visualmente, cada página é uma lição de enquadramento, cor, forma e textura. Há um investimento extraordinário na ligação entre texto e imagem, como é próprio da linguagem do picture book (ou álbum, na tradição francesa), numa história que se desenrola como uma viagem interior – à conquista da identidade e da autonomia. Com um domínio tão inventivo quanto rigoroso dos códigos linguístico, simbólico e plástico, Maurice Sendak concebeu uma obra que representa um ponto de viragem na arte de escrever e ilustrar esse livros que as crianças reclamam para si.


3. Matilde, Roald Dahl (1988)

Entre os muitos livros de Roald Dahl, Matilde é um caso sério de humor insolente, resistência e imaginação – três antídotos seguros contra o derrotismo, a mediocridade, a violência e outros males permanentes da humanidade que também passam por este livro. A maioria das personagens adultas – desde os imbecis pais de Matilde à directora torcionária da escola, a Sra. Trunchbull – não são tratadas com brandura, porque não o merecem. Roald Dahl soube olhar para o mundo com as emoções e os sentidos de uma criança; e, ao mesmo tempo, interpretá-lo com o distanciamento sábio e irónico de certos adultos. As ilustrações de Quentin Blake, seu compagnon de route, fazem deste livro uma referência contemporânea, seguindo a herança de Charles Dickens e outros grande escritores.