quinta-feira, 6 de novembro de 2008

ENTRE OS DEDOS, QUASE NADA


Gosto de filmes de terror, desde que não incluam cenas de tortura física – a figuração do Mal em estado bruto, insuportável sob qualquer ponto de vista. Gostei da primeira longa-metragem de Tiago Guedes e Frederico Serra, Coisa Ruim, porque é um filme de terror atípico, tal como Dead Man (Homem Morto), de Jim Jarmusch, é um western atípico. Em Entre os Dedos, o segundo filme da dupla, também com argumento de Rodrigo Guedes de Carvalho, houve duas coisas que me impressionaram, para além do soberbo trabalho de actores: o silêncio absoluto das personagens representadas por crianças, que diz mais sobre a opressão que cerca qualquer hipótese de família; e o final do filme, sem nada de frouxo, ao contrário da forma como termina Coisa Ruim. Quando Paulo (Filipe Duarte) caminha ao encontro de Lúcia (Isabel Abreu) para regressarem juntos a casa, no território inóspito e terrível dos nossos subúrbios, é toda uma vitória contra o desprezo que se anuncia. Num casamento, o desprezo é o inimigo mais implacável que se pode afrontar, pior do que a própria a luta pela sobrevivência. Por momentos, desejamos que Paulo e Lúcia acabem por dar as mãos, subindo juntos a ladeira, mas isso seria enveredar pelo conforto da mentira. Uma vez instalada, essa coisa ruim não se vence assim tão facilmente. Desafiar o desprezo já é um acto maior de coragem.

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